Crítica

Construir uma narrativa em cima de canções de músicos conhecidos e clássicos não é novidade no cinema. Exemplos como Across the Universe (2007), com as canções dos Beatles, ou Mamma Mia! (2008), com músicas do Abba, e até mesmo Moulin Rouge (2001), que não se debruça sobre um artista, mas sobre vários, mostram que é possível retrabalhar obras pop, fazendo uma costura que utiliza de temáticas até então estanques, dando um novo significado a todo um catálogo de sucesso. No Brasil, é mais raro acontecer, mas existem exemplos, como é o caso de Nervos de Aço, longa-metragem dirigido por Maurice Capovilla, que traz à baila a obra do venerado compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues.

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O cineasta carioca parece se encher de cuidados ao mexer em obra tão cultuada, convidando como seu protagonista o também respeitado músico Arrigo Barnabé. Capovilla acerta musicalmente, dado o talento de Barnabé nas execuções de canções que pedem por sua voz ora suave, ora rasgante. No entanto, quando o quesito é atuações, quem precisa ter nervos de aço é a plateia, para relevar performances muito aquém do que poderíamos esperar.

Capovilla é também o roteirista de Nervos de Aço e mergulha na obra de Lupicínio para encontrar uma temática que permeie algumas de suas canções. A escolha mais perspicaz, lógico, são os relacionamentos, a dor de cotovelo nos conflituosos romances entre homens e mulheres, o triângulo amoroso e seus vértices tão diferentes, mas tão iguais. Na trama, um espetáculo está sendo montado com as músicas de Lupi. Os três músicos principais – dentre eles, o diretor do espetáculo – se envolvem em um triângulo que tem tudo para acabar mal. São eles: Joel (Barnabé), a cantora Maria Rosa (Ana Paula Lonardi) e o músico e cantor Carioca (Pedro Sol). Em meio aos ensaios, as verdades vão sendo ditas e o clima fica perto do insuportável com muitos ciúmes e dúvidas.

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Estruturalmente falando, Nervos de Aço é um trabalho competente de Maurice Capovilla. Como roteirista, ele demonstra apreço pela obra de Lupi e conhecimento vasto, conseguindo interligar músicas de apelo popular com outros títulos nem tão conhecidos dos ouvintes não iniciados. Os números musicais são os grandes momentos do filme, sem sombra de dúvidas. Por conversarem com a trama de forma coesa, mas também por serem interpretadas com afinco pelo elenco. Os arranjos têm força e as vozes de Ana Lonardi e, principalmente, Arrigo Barnabé dão uma roupagem interessante e certo frescor à obra de Rodrigues. Igualmente curioso e digno de nota é que os personagens de Barnabé e Lonardi são muito diferentes em suas personalidades, fato que é confirmado pelas vozes e estilos que utilizam. Joel tem duas formas bastante distintas de soltar a voz e isso conversa muito bem com os momentos diferentes que seu personagem vive. Ele é explosivo, mas ao mesmo tempo amoroso. Já Maria Rosa tem sangue quente, não leva desaforo para casa e quer entender o que sua personagem no espetáculo está fazendo. Enquanto ela não se encontra, seu jeito de cantar é titubeante. Fato que muda com o desenrolar da trama.

Uma pena que estas boas ideias e ótimos momentos musicais acabam sendo afogados por atuações tão irregulares de todo o elenco. Por mais que Arrigo Barnabé seja um excelente músico, quando lhe é pedido alguma dramaticidade maior em sua performance como ator, ele não consegue entregar. O mesmo pode ser dito sobre Ana Lonardi e Pedro Sol. Grande parte dos diálogos perde muito sua força pela forma pouco convincente da entrega do texto. Ainda mais em uma história tão sanguínea, cheia de amor e ciúme que permeia Nervos de Aço. Era preciso uma capacidade maior por parte do elenco, que se mostra com vontade, mas nunca à vontade.

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Quem conseguir passar por cima das performances do elenco pode se emocionar com as interpretações de clássicos como a própria “Nervos de Aço”, “Nunca” e “Aves Daninhas”, que seguram bem a atenção do espectador. Por mais que seja uma obra que respeite muito as canções de Lupicínio Rodrigues, Capovilla se dá o direito de colocar o teor das letras em perspectiva, mostrando que o que era correto e até perdoável no passado, hoje em dia é visto com diferentes olhos. Esse é um ponto bastante elogiável e que está presente na personagem Maria Rosa, que contesta seu papel de mulher em um triângulo amoroso como aquele. Uma prova de que é possível reverenciar sem se curvar completamente ao homenageado.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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