Crítica

Na Vertical é um típico exemplar do cinema de Alain Guiraudie e, nesse sentido, se assemelha bastante aos dois filmes anteriores do diretor, O Rei da Volta (2009) e Um Estranho no Lago (2013). Guiraudie aposta mais uma vez numa estética naturalista, abrindo mão, por exemplo, de qualquer música extra-diegética e filmando de maneira despojada os corpos nus de seus personagens, sobretudo seus órgãos sexuais. Nesse sentido, há em Na Vertical uma cena de parto que impressiona justamente por essa naturalidade do registro, tão forte quanto os momentos de sexo explícito de Um Estranho no Lago.

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Guiraudie faz uso dessa estética para contar histórias mínimas, mas, curiosamente, marcadas pelo pitoresco e recheadas de situações que muitas vezes chegam ao absurdo. Esse era o caso da própria premissa de O Rei da Volta (um homem de meia idade, homossexual, se apaixona por uma adolescente e foge com ela dos seus pais e da polícia) e, em menor escala, da inserção da figura de um detetive empedernido no ambiente pulsante em sexualidade de Um Estranho no Lago.

Em Na Vertical, o absurdo surge em cena aos poucos: no começo, predomina a impressão de se tratar da história banal de um cineasta sem inspiração (Damien Bonnard) tendo que lidar com a chegada inesperada de um filho, mas Guiraudie começa a pontuar a narrativa com momentos nonsense, como aquele em que o produtor dos filmes do protagonista passa a persegui-lo a barco num pântano, para tentar conseguir um roteiro prometido, as sessões com uma terapeuta de métodos inusitados, até chegar à acachapante cena do “suicídio assistido”.

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O diretor também volta a abordar o tema da solidão entre homens, tão forte em seu filme anterior. A busca desesperada por companhia e por afeto cria um divertido jogo de troca de casais em Na Vertical, que é também revelador desse vazio, tão humano, em que os personagens de Guiraudie estão mergulhados. E mais uma vez o interesse do diretor por essa questão é responsável por um encerramento marcante para um filme seu: o diálogo entre o protagonista e seu sogro, que justifica belamente esse título remetendo à necessidade de um enfrentamento digno do que há de mais cruel na vida, é tão rico de significados quanto o grito no escuro ao final de Um Estranho no Lago.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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