Crítica

Dentro do panorama da devastadora crise econômica mundial, que ao longo dos últimos anos vem afetando também a Europa, o caso da Grécia é provavelmente o mais extremo e particular de todos. Os intrincados meandros da ruína financeira grega e suas consequências estão no centro de Mundos Opostos, do cineasta Christopher Papakaliatis, que além de abordar outras importantes questões sociopolíticas – como a crescente onda de imigração em seu país e o igualmente proporcional aumento da intolerância racial – também adiciona um elemento emocional a esse complexo contexto: o romance. Para dar vida à sua saga sobre o amor em tempos de crise, Papakaliatis adota o formato do filme-mosaico, apresentando três histórias aparentemente distintas que se conectam de alguma maneira.

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A primeira, com maior caráter de crítica social, acompanha a estudante grega Daphne (Niki Vakali), salva de um estupro pelo imigrante ilegal sírio Farris (Tawfeek Barhom), por quem se apaixona, paralelamente ao surto de Antonis (Minas Hatzisavvas), desempregado que credita sua falência aos imigrantes e canaliza seu ódio para as ações de um grupo fascista. A segunda possui uma atmosfera mais sensual, mostrando Giorgos (o próprio Papakaliatis) homem que passa por problemas no casamento e inicia um caso com a executiva sueca contratada para realizar cortes na empresa onde trabalha, Elise (Andrea Osvárt). Enquanto a terceira trata da relação entre o historiador alemão Sebastian (J.K. Simmons) e a dona de casa Maria (Maria Kavoyianni), que se encontram toda semana em um supermercado.

Tal estrutura narrativa, que especialmente no início dos anos 2000 parecia ser a opção favorita para tratar deste tipo de temática, está sempre sujeita a sofrer com algum desequilíbrio entre as partes. E é exatamente o que ocorre com o longa de Papakaliatis, que exibe diferenças claras de tom em cada uma de suas histórias, indo da densidade extrema da inicial à leveza cômica da última. Além disso, a familiaridade com as convenções dos filmes-mosaico faz com que o fator surpresa, que deveria existir nas conexões diretas entre as tramas, perca grande parte do impacto desejado. Há também outras ligações, essas de viés alegórico, como a procissão religiosa vista nos três segmentos e as referências ao mito de Eros e Psique, que acabam, particularmente a segunda citada, ressaltando outra fraqueza da condução de Papakaliatis: o didatismo.

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A repetição dos conceitos do mito e suas alusões metafóricas aos relacionamentos amorosos dos personagens, não só soam pouco naturais, como também reforçam a predileção do diretor por explicar suas ideias de modo excessivo. Esse aspecto professoral está presente também no tratamento dado à crise econômica, com Papakaliatis inserindo diversas cenas soltas nas quais seus personagens acompanham alguma reportagem – no computador ou na televisão – que analisa os desdobramentos da situação caótica da Grécia. O enfoque explicativo se estende aos diálogos – infelizmente, repletos de definições simplistas para um conteúdo tão profundo – vistos nas aulas de política de Daphne, nos embates entre Elise e Giorgos ou ainda na conversa deste último com o filho, traçando paralelos entre sua crise matrimonial e a da nação.

No campo simbólico, o trabalho de Papakaliatis segue a mesma linha de previsibilidade, como o bumerangue – título de um dos segmentos – atirado por Antonis para deixar claro que o ditado “tudo o que vai, volta” será aplicado ao personagem de maneira implacável. Retornando às complicações geradas pela estrutura narrativa, a divisão da trama, com seu grande número de protagonistas, termina por reduzir o tempo para o desenvolvimento de cada um, levando a uma construção muitas vezes superficial e estereotipada: o fascista/racista, a sueca “fria” etc. Ao menos na representação dos romances o realizador é mais bem-sucedido. Mesmo que se entreguem a alguns clichês, é destas paixões que surgem os momentos mais cativantes do longa, concentrados principalmente na poética terceira história.

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Apesar de inicialmente ser a mais destoante do conjunto, é ela que exala maior sinceridade e delicadeza, beneficiada pelas ótimas atuações de J.K. Simmons e Maria Kavoyianni. O trabalho de todo o elenco, aliás, é provavelmente a maior qualidade de Mundos Opostos, seguida do apuro estético. Mas se tecnicamente Papakaliatis demonstra ter um bom domínio, no âmbito das escolhas dramáticas não se pode dizer o mesmo. Pois quando resolve fechar seu ciclo e adotar um mesmo tom para a conclusão de todos os segmentos, escolhe justamente a gravidade exagerada do primeiro, elevando a carga de sentimentalismo, através da trilha sonora intrusiva e do uso repetitivo da câmera lenta, encaminhando o filme para saídas questionáveis que esbarram no maniqueísmo. Não há dúvidas de que a proposta do cineasta é ambiciosa, adicionando o elemento do olhar estrangeiro e do conflito de gerações a seu retrato dos efeitos da crise em todas as camadas sociais, que por vezes consegue transmitir o senso real de urgência e desespero que se estende também ao resto mundo. Porém, em sua gana de abraçar tantos assuntos, Papakaliatis opta pelo caminho mais convencional, na contramão do cinema grego contemporâneo, não atingindo todo o potencial de pujança de suas observações.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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