Crítica

Exibido na Mostra Fórum no Festival de Berlim 2016 e na 40ª Mostra Internacional de São Paulo, Muito Romântico é um tour de force do casal Gustavo Jahn e Melissa Dullius. Depois de passarem um tempo juntos em Porto Alegre (ela é gaúcha, ele, catarinense), a dupla resolveu empreender uma jornada além-mar e viver em Berlim, na Alemanha. Para tanto, fizeram a viagem em um navio e filmaram a experiência com o objetivo de realizar um longa-metragem inteiramente dentro da embarcação. Ao chegar em seu destino, mudança de planos: não se ater apenas às filmagens da viagem e construir um produto que apagasse as margens entre ficção e realidade. Foram então nove anos desde o primeiro take até a finalização do longa, um processo criativo intenso, instigante e com um pé no experimental. O longa-metragem não chega a ser tão hermético para ser exibido em museus, como uma vídeoinstalação, mas não é tão narrativo a ponto de ser de fácil assimilação. Até nisso Jahn e Dullius foram pouco convencionais, fazendo do seu trabalho uma obra ímpar, com seus problemas, mas também com qualidades incontestes.

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Acompanhamos o casal – que vive versões de si mesmos – em sua viagem para Berlim, com imagens do navio, do mar, do sol. A poesia, recitada em alemão, é uma companheira destes primeiros momentos. Posteriormente, vemos a procura de um lugar para morar e a inevitável mudança propriamente dita. Como filmaram durante muitos anos, nunca fica claro o que faz parte do início da viagem e o que é reconstituição. Os diretores resolveram, lá pelas tantas, recriar os seus primeiros dias em Berlim. Um buraco negro dentro do apartamento vira essa chave do real e do ilusório, com uma viagem temporal que nos dá um vislumbre de uma piração cósmica feita por imagens em rápido movimento.

Para o espectador mais desavisado, é necessário estar preparado para embarcar nesta viagem proposta por Gustavo Jahn e Melissa Dullius. Não espere uma narrativa convencional, personagens centrais bem desenhados ou mesmo um arco de início, meio e fim. As emoções que as imagens transmitem ao público acabam sendo mais importantes. Muito Romântico é uma obra sensorial e, talvez por isso, seja um tipo de filme que acaba se encaixando melhor em festivais que privilegiam trabalhos bastante autorais, com pegada experimental – não à toa, o longa-metragem teve exibição no Cine Esquema Novo, evento gaúcho famoso pela liberdade estética dos títulos que seleciona.

Dentre as imagens mais interessantes, temos a criação de um buraco negro dentro do quarto, em uma bela cena com tons oníricos; a mistura entre o velho e o novo naquele apartamento, com dois atores idosos vivendo versões dos protagonistas; os momentos poéticos e musicais, com direito a citações a Caetano Veloso e Chico Buarque; e, claro, o intenso mosaico de imagens que nos é apresentado no terceiro ato do longa-metragem.

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Ainda que proposital, a ausência de maior intensidade nas atuações de Gustavo e, principalmente, de Melissa incomoda um pouco. O tom monocórdio é mantido por quase toda a duração do longa, o que gera uma sensação de desconforto. Como os diálogos são poucos, não chegam a atrapalhar a viagem sensorial proposta pelo filme. Se falta força neste quesito, sobra na banda sonora, que embala as cenas com sons inusitados, não raro dissonantes. As músicas que fazem parte da trilha fecham bem o pacote, conversando bem com as cenas em questão. De orçamento limitado e equipe enxuta, Muito Romântico é uma verdadeira aventura de dois brasileiros em terras alemãs que gerou um fruto intenso e criativo. Agradou ao país anfitrião – foi selecionado para a Berlinale, afinal de contas – e tem tudo para conquistar o público ávido por um cinema pouco usual, feito com raça e esmero. Deixe se levar.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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