Crítica

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O cinema de Robert Bresson (1901-1999) é potente em suas imagens e significados. Com carreira importantíssima para o cinema francês, o diretor lançou um de seus filmes mais cultuados em 1967, Mouchette: A Virgem Possuída. Exibido em Cannes, de onde saiu vencedor do prêmio OCIC, e em Veneza, também sagrando-se vencedor de prêmio, o troféu Pasinetti, o longa-metragem poderia ser resumido em dor, em abuso, em castração. Não é agradável assisti-lo pela temática, mas um prazer pela forma como utiliza da linguagem cinematográfica para conceber uma obra incrivelmente atemporal.

Na trama, Mouchette (Nadine Notier) é uma menina que sofre maus tratos em casa pelo pai (Paul Hebert), enquanto cuida da mãe doente (Marie Cardinal) e do irmão, ainda bebê. Sem amigos no colégio, costuma esconder-se e jogar terra e pedras em seus colegas na saída da aula. Um dia, depois da escola, Mouchette faz o caminho do bosque e uma tempestade a impede de continuar caminho. É quando ela observa a acalorada discussão entre Arsene (Jean-Claude Guilbert) e o guarda florestal Mathieu (Jean Vimenet). O primeiro acredita ter matado o outro homem, mas a bebedeira o impede de lembrar direito da situação. Encontrando Mouchette, Arsene a leva até sua cabana e tenta convencê-la a servir como álibi a ele. A menina aceita de começo, mas o desenrolar dos acontecimentos mudará completamente sua vida.

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Bresson concebe um longa-metragem, baseado na obra de Georges Bernanos, que poderia ser resumido como um retrato da dor. Mouchette leva sopapos da vida e tenta sobreviver em meio a um ambiente completamente hostil, onde ninguém lhe cede a mão. Mesmo quando – em alguns momentos – as pessoas tentam ajudá-la, logo são surpreendidas com a falta de tato da menina. Ela não sabe o que é carinho. Portanto, não entende como responder a qualquer tipo de afago. Sua vida é apenas sofrimento. O diretor francês faz uma alegoria com momentos bélicos do passado, onde a crueldade eram moedas correntes.

A pequena Nadine Notier tem atuação destacada, embora seja ofuscada por seu parceiro de tela Jean-Claude Guilbert em uma das cenas mais fortes do longa-metragem, quando os dois dividem a cabana. Em outra cena, talvez a única um tanto lúdica, Mouchette se diverte no parque de diversões – curiosamente, em um brinquedo onde bater e receber pancadas é o mote principal.

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Filmado em belíssimo preto e branco, com enquadramentos e planos que comunicam muito sem a necessidade de diálogos expositivos, Mouchette: A Virgem Possuída é um drama imortal de um dos grandes mestres do cinema. Duro, profundo e, certamente, inesquecível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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