Crítica

Adaptar Stephen King às telonas pode ser o sonho de muitos, mas está na lista das tarefas mais complicadas para um diretor. Quando quem dirige decide também tomar as rédeas do roteiro, a complicação dobra de tamanho. O californiano Mick Garris já havia assinado Abracadabra (1993), clássico da Sessão da Tarde nos anos 90, e algumas produções de terror para a TV. Ao escolher uma história de King como ponto de partida, ele passou longe dos romances com centenas de páginas e se fixou num conto publicado no livro Tudo é Eventual. Valer-se da boa trama de Montado na Bala parecia um caminho fácil para uma bilheteria significativa e, quem sabe, um ponto extra com os fãs do escritor, sempre severos com suas transposições para o cinema. Só que no meio do caminho havia um elenco.

Montado na Bala é, antes de tudo, um filme sobre o olhar juvenil lançado à morte. Alan Parker (Jonathan Jackson), o protagonista, perde o pai ainda criança e cresce com uma visão excêntrica sobre o fim. Os esboços desse estudante de artes sempre trazem traços macabros. Observar o lado bom das coisas não é o seu forte. Tanto que uma discussão com a namorada o leva ao encontro de uma lâmina. Na sequência, um telefonema informa que sua mãe teve um derrame cerebral. Não são situações fáceis, mas o espectador tem dificuldade em simpatizar com Parker muito por culpa de seu intérprete. Jackson parece estar sempre cansado e com um olhar sarcástico. Para um garoto que se diz arrasado com o fim do namoro, ele está bem demais. Por falar em relacionamento, sua paixão, Jessica (Erika Christensen), é inexpressiva e, para o bem do público, aparece pouco. Já o protagonista não só está em praticamente todas as cenas como também aparece duplicado. Outro Parker fala o que no conto são os pensamentos do garoto. Uma alternativa chata, que questiona a inteligência de quem assiste.

O quesito atuação é levemente salvo em Montado na Bala quando entram em cena Barbara Hershey, na pele da mãe de Parker, e o veterano Cliff Robertson, como um dos muitos estranhos que oferecem carona para que nosso fraco protagonista chegue ao seu destino. É na estrada, aliás, que acontecem as melhores cenas do longa, com várias metáforas envolvendo animais e constantes encontros de Parker com seus fantasmas. A fotografia fica mais sombria, mas mantém a falsa luz natural, assim como os motoristas que se tornam cada vez mais dignos de desconfiança, sempre despertando em Parker alguns de seus muitos medos de infância, entre eles a montanha-russa que dá nome ao filme. É o ritmo de sobe e desce de um dos brinquedos mais temidos e desejados dos parques de diversões que impera. Ritmo, aliás, é o que não falta na trilha sonora, que inclui canções de The Zombies e James Brown.

Música boa, história bem construída e o nome de Stephen King como estopim da coisa toda. Montado na Bala tem os ingredientes certos para o sucesso, dentro e fora do universo dos fanáticos pelas histórias do garoto do Maine. Seu pecado, se é que se pode usar esse termo no universo do terror, foi colocar atores fracos em papéis importantes, ao ponto de desconcentrar quem assiste dos bons momentos e dos sustos bem elaborados.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
avatar

Últimos artigos deBianca Zasso (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *