Crítica

Realizador com apenas um longa-metragem no currículo, o drama Cúmplices (2009), e a direção de alguns episódios da cultuada série televisiva Les Revenants, o francês Frédéric Mermoud prova em Moca (2016) que a falta de experiência não o atrapalhou na condução de um suspense envolvente e misterioso. Apresentado e ovacionado no Festival de Locarno, o filme é mais uma incursão pelo thriller psicológico sobre vingança, tema explorado à exaustão em produções irregulares, aqui é retratado com complexidade e até mesmo alguma novidade no universo de duas mulheres: Diane e Marlène.

Diane (Emmanuelle Devos) sofre continuamente com a perda de seu filho adolescente, morto em um acidente de trânsito nunca solucionado pela polícia, que eventualmente abandona o caso. Obstinada em descobrir quem causou o atropelamento, ela contrata um detetive, que logo descobre o modelo e a cor do carro em questão: um Mercedes moca, tonalidade de ocre mais escura, de onde deriva o título da produção. Ela então ruma da pequena cidade de Lausanne, na Suíça, para a bela região de Evian, na França, onde se aproxima de Marlène (Nathalie Baye), que segundo as indicações do investigador é quem dirigia o veículo e não prestou socorro ao seu filho. O encontro, inicialmente amistoso, gera uma busca traiçoeira, uma vez que Marlène pode ser bem mais perigosa do que uma primeira aproximação permite revelar.

Baseado no romance de Tatiana Rosnay, autora que já foi adaptada no competente A Chave de Sarah (2010), Moca é ambientado na divisa entre França e Suíça, repartida pelo belíssimo lago Geneva. A geografia na trama é essencial, considerando o tom misterioso e melancólico que ela evoca de locações semelhantes àquelas de clássicos de Hitchcock e Polanski, numa narrativa que se inspira na construção da tensão tão comum aos icônicos cineastas. O lago separa o universo dessas duas personagens tão singulares, mas, quando elas se encontram, logo se torna metáfora visual para algo que é calmo e pacífico em superfície apenas até se tornar tormentoso e fatal. A fotografia de Irina Lubtchansky explora água, céu e demais paisagens com uma beleza singular, mas há ali uma presença de perigo crescente que culmina em um simples mergulho ou num passeio pelos seus arredores, supostamente paradisíacos.

Diane é tão ambígua quanto enigmática; suas intenções são tão profundas quanto o próprio lago. Mermoud explora sua heroína corrompida numa sucessão de closes persistentes que tentam decifrar o mistério que cerca sua obsessão por vingança. Nunca sabemos o que realmente ela está pensando ou tramando, e questionamos se ela vai concluir seus planos sinistros – mesma atmosfera brilhantemente construída em Para Minha Amada Morta (2015). A intensa composição entre sentimentos tão pérfidos com paisagens luminosas, vastas e diurnas logo se torna pitoresca e surreal, o que demonstra uma feliz e corajosa escolha – composições lúgubres e sombrias são mais corriqueiras em suspenses como este.

Quando os conflitos parecem iminentes, Moca se mostra sem qualquer pressa para compor seu clímax – que é revelado natural e pontualmente. Devos e Baye, atrizes de escala maior em suas composições multifacetadas, se beneficiam deste tempo cálido para imprimir suas marcas em ótimas personagens. Diane mantém uma força inerente conflituosa, igualmente confusa e calculada, enquanto Marlène se vale da personalidade naturalmente magnética de Baye para atrair e manter Diane por perto. Essa dinâmica propõe um jogo de gato e rato entre personagens e atrizes, que transitam nas funções de predador e presa. O resultado é um deleite irresistível para o espectador.

Moca é um filme sobre a busca pela verdade, independentemente do que ela possa revelar, e a importância de cada em se resolver consigo mesmo e suas buscas – seja na luz ou nas trevas. Ao contrário de expectativas mais usuais, Mermoud propõe um final seguro e otimista, que sugere que as pessoas são, apesar das circunstâncias, inerentemente boas. Em tempos de desesperança, esta é uma escolha tão rara quanto feliz.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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