Crítica

Neste filme italiano de ficção científica, Enzo (Claudio Santamaria) é um ladrão pé-de-chinelo que tem a vida mudada após o contato com uma substância tóxica. Assim, a origem de seus superpoderes alude a expedientes corriqueiros nas histórias em quadrinhos, uma vez que diversos personagens famosos se tornaram extraordinários exatamente porque contaminados por algum componente estranho, quando não picados por insetos que lhe transferiram suas incríveis habilidades. O tom de Meu Nome é Jeeg Robot é sério, isso se considerarmos apenas a tramas e os desdobramentos da cena em que o protagonista e um parceiro são alvejados pelos tiros do estrangeiro “mula” que trazia drogas escondidas no estômago. Contudo, sob a superfície opera um registro (ir)reverente, cuja singularidade reside no fato de tudo se passar em Roma, ou seja, longe dos cenários estadunidenses normalmente associados às peripécias sobre-humanas. Mesmo não significando muito, o deslocamento regional/cultural é curioso.

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Ao invés de utilizar a resistência e a força acima do padrão para fazer o bem, Enzo decide inicialmente seguir sua senda de crimes, agora com o aporte dos recursos físicos que lhe permitem, por exemplo, roubar no braço um caixa eletrônico repleto de dinheiro. Sua rotina muda drasticamente ao conviver com Alessia (Ilenia Pastorelli), a filha do amigo recém-falecido, uma jovem psicologicamente prejudicada desde a morte da mãe, que vive enclausurada num mundo bastante particular, espaço fabular onde personagens de desenhos animados japoneses são peças importantes. Não raro ela mistura ficção e realidade. De cara, ao testemunhar os feitos excepcionais de Enzo, coloca na cabeça que ele, na verdade, é Jeeg Robot, mocinho do anime pelo qual é apaixonada. A inocência dessa menina desamparada é um convite explícito ao despertar lento e gradual do heroísmo dele, atributo confinado até então abaixo do banditismo. Como se pode notar, Meu Nome é Jeeg Robot segue por um caminho bem previsível.

A graça do filme de Gabriele Mainetti está justamente nessa utilização de procedimentos facilmente identificáveis, principalmente por aqueles que cresceram lendo histórias em quadrinhos do bem combatendo o mal. Um elemento que reforça isso é o antagonista-pastiche interpretado por Luca Marinelli. Atendendo pela alcunha de Cigano, ele é uma figura extremamente caricatural, de modos espalhafatosos, o que chega a tornar sua crueldade até engraçada em determinados momentos. Óbvio que ele age no submundo para obter dinheiro e poder, mas sua real intenção é ganhar notoriedade, tanto que vira alvo recorrente de chacota por ter participado de um reality show no passado. Prova desse quadro de vaidade exacerbada é a sua reação irada e invejosa diante do grande número de visualizações do vídeo do supercriminoso (como a imprensa passa a chamar Enzo quando mascarado), e o posterior cuidado de gravar uma matança com o celular, aspirando, assim, a um sucesso parecido.

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Embora violento, com mortes e questões adjacentes de peso dramático genuíno, Meu Nome é Jeeg Robot é uma produção essencialmente leve, que visa homenagear a mitologia própria dos heróis da cultura pop. O relacionamento especial entre Enzo e Alessia se intensifica na medida em que ela, a despeito da condição mental instável, oferece um contraponto de candura à rotina dele, repleta de desamparo e tensão. O diretor Gabriele Mainetti dribla as dificuldades de produção com muita inteligência, evitando que sua realização descambe para o tosco. Acreditar nesse cenário, em que seres superpoderosos digladiam na capital italiana e uma jovem lida com suas dificuldades refugiando-se na seara ficcional, é tarefa facilitada pela maneira esperta com que tudo é engendrado. A falta de originalidade é proposital, sendo o decalque não o ponto fraco, mas o substrato deste longa-metragem, um exemplar divertido e até certo ponto cativante, que nos ganha basicamente pela sinceridade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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