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Sinopse

Diego é um diretor de cinema que, ao saber que possui uma doença provavelmente fatal, casa-se com sua mulher de muitos anos, despede-se de seus amigos e entra numa rotina de longas jornadas num hospital. Lidando com a dor e conversando com a morte, acaba conhecendo um menino hindu, que se torna seu mais novo amigo. Um dia ele não aparece mais. Diego recebe alta, mas sua vida nunca mais será a mesma.

Crítica

Não é difícil imaginar o que levou Hector Babenco a dirigir um filme como Meu Amigo Hindu. O realizador, afinal, tem fama de ser um dos mais difíceis de lidar no cenário cinematográfico nacional, principalmente por ser focado demais em si mesmo e pouco afeito ao exercício do olhar alheio. Sendo assim, relatar na tela grande uma jornada pessoal de superação parece mais uma declaração de superioridade e força – no estilo “vejam só, eu consegui” – do que um relato de dificuldades e descobertas. Dono de um nome de certo respeito – conta no currículo com uma indicação ao Oscar, participações pelo Festival de Cannes e prêmios em eventos como Gramado, Havana, Tóquio, San Sebastián e Locarno, além de dois troféus do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – cada esforço seu em cena é difícil de ser ignorado. Mas não se engane, o melhor a fazer em relação a este novo trabalho é se manter o mais distante possível.

O alter ego do realizador é vivido pelo norte-americano Willem Dafoe. Ele aparece como um diretor de cinema – Diego Fairman (ou “homem justo”, caso tenha lhe passado a indireta) é seu pseudônimo – que descobre estar com um câncer terminal. Sem nada a perder, deixa de lado as papas na língua e passa a fazer o que lhe dá na veneta e dizer a tudo e todos qualquer coisa que lhe venha à cabeça. Por esse resumo, até se poderia imaginar uma comédia. Mas não, Babenco se acha sério demais para rir de si próprio. Dessa forma, vai-se pelo caminho completamente oposto, investindo no mais profundo dramalhão, pontuado por toques de absurdo. Ele se cansa da esposa e companheira de anos, se indispõe com amigos e colegas de profissão de longa data, sai caminhando sozinho e invade casas desconhecidas apenas para ter encontros reveladores que indiquem sua posição acima do bem e do mal.

Numa dessas idas e vindas acaba se deparando com o amigo hindu do título. O menino também está morrendo, em condições similares a sua. Mas como é de praxe em tramas do gênero, há uma lição de vida a ser transmitida na última hora. O olhar ingênuo da criança servirá como força motivadora de um recomeço para o protagonista. Citando Ingmar Bergman – afinal, se é para se igualar aos clássicos, parte-se logo para os melhores – ele decide jogar xadrez com a Morte, quando essa aparece para buscá-lo. A tentativa de um adiamento não é para resolver conflitos terrenos ou acalmar a alma. O que busca é algo muito mais simples: apenas fazer mais um filme. Porém, se o resultado é esse Meu Amigo Hindu, melhor teria sido partir antes, evitando constrangimentos como Maria Fernanda Cândido tropeçando na língua bretã, Reynaldo Gianecchini dando uma de Dráuzio Varella ou Bárbara Paz dançando nua sob a chuva (em outra referência que, de tão óbvia, chega a ser incômoda).

Como Babenco conseguiu convencer Dafoe a vir ao Brasil filmar sua história é, enfim, o maior enigma. No entanto, ao contrário de quando fez O Passado (2007), na Argentina, ou Ironweed (1987), nos Estados Unidos, sempre respeitando o idioma local, em Meu Amigo Hindu o diretor nos apresenta um Brasil folclórico onde todo mundo – do círculo intelectual à volta do personagem principal à sua faxineira e até mesmo o jardineiro que cuida de sua casa – fala inglês perfeitamente. Tudo bem que talvez isso seja uma exigência de mercado, mas por que não ambientar seu drama – que é apresentado como ficção, em última análise – em outro país ou simplesmente ignorar tal informação, deixando-o sem uma geografia específica? Outro elemento controverso é o elenco congestionado de celebridades brasileiras, porém a grande maioria com tempo para apenas um ou duas falas, isso quando chegam a abrir a boca. Chega a parecer aqueles antigos filmes da Xuxa ou d'Os Trapalhões, que amontoavam estrelas apenas para servirem de chamariz nas bilheterias, sem função específica no enredo.

É público e notório que as afamadas Framboesas de Ouro – que anualmente elegem os piores do cinema hollywoodiano – tem uma certa preferência por nomes oscarizados. Tanto que o caso mais recente foi nesse ano, quando reconheceram o astro Eddie Redmayne, premiado pela Academia por A Teoria de Tudo (2014), como Pior Ator Coadjuvante por sua participação no desastre O Destino de Júpiter (2015). Consciente deste fato, nos resta torcer para o lançamento de Meu Amigo Hindu nos cinemas norte-americanos. Afinal, Babenco merece mais esse troféu em sua estante, assim como está mais do que na hora de Dafoe, dono de duas indicações tanto ao Oscar quanto nas Framboesas, ser bem sucedido ao menos nesta disputa. Motivos para tanto não faltam.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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