Crítica


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Sinopse

Um grupo de pessoas vindas de todas as partes da Europa Oriental é chamado de Eastern Boys. Eles possuem diferentes idades e frequentam os arredores da estação de trem de Paris Gare du Nord, e não se sabe ao certo o que eles fazem por lá. Muller, um homem de meia-idade que os observa, se interessa por Marek, um dos jovens do Eastern Boys. Ele toma coragem para convidá-lo para ir à sua casa. O menino aceita, mas Muller não faz ideia que tudo não passa de uma armadilha.

Crítica

O início é distante, e o ritmo, lento. Estamos em uma das estações centrais de trem em Paris, e o que se percebe por todos os lados, nas mais diversas situações, são garotos de rua. Mas não chegam a ser mendigos sujos e esfarrapados – afinal, estamos em um país do primeiro mundo – mas jovens com não mais que 25 anos (muitos deles ainda adolescentes) vindos do leste europeu: Russia, Romênia, Ucrânia – os Meninos do Oriente do título, portanto. Levam a vida em pequenos golpes, com uma rotina irregular que envolve bater carteiras, se aproximar de turistas desavisados e, em muitos casos, até a prostituição. Aliás, é exatamente isso que atrai Daniel (Olivier Rabourdin, de Homens e Deuses, 2010), que se sente atraído por um dos rapazes e com ele decide conversar na primeira oportunidade. O que não imaginava, no entanto, é o quanto sua vida mudaria a partir daquele contato inicial.

O filme escrito e dirigido por Robin Campillo tem muito claro qual história pretende contar e não tem pressa em desenvolvê-la. Leva-se mais de dez minutos para o primeiro diálogo, que pouco revela. As coisas vão acontecendo aos poucos, como peças de um quebra-cabeças que vão sendo dispostas a esmo mas que acabam fazendo sentido no final. Cada reviravolta na trama, portanto, possui relevante significado, pois não estão ali por acaso. Toda descoberta e novo desenlace possuem premeditada importância, e serão fundamentais para a melhor compreensão não apenas do que estará acontecendo, mas, antes de mais nada, dos porquês que levam cada personagem a tomar esta ou aquela decisão. Suas motivações são mais interessantes do que os fatos em si.

No dia seguinte ao primeiro encontro dos dois, no horário combinado, a campainha de Daniel toca. Ele atende, e ao ouvir a voz esperada, libera a entrada. Porém, quando abre a porta, quem entra é um outro menino, este quase uma criança. Com gestos rápidos, ele se posiciona com agilidade no sofá e ameaça gritar se o adulto se aproximar. Logo o sinal toca novamente, e agora são outros rapazes. Quando percebe, mais de dez ou vinte jovens – homens e mulheres – estão em sua casa, vasculhando quartos, armários e banheiros. Daniel nada pode fazer, a não ser permanecer imóvel, torcendo para que não haja nenhuma agressão física. E somente depois de todos entrarem e começarem a fazer – e pegar – o que querem, é que Marek (o novato Kirill Emelyanov) aparece. Como a cereja do bolo, aquilo que ele mais queria, e não terá. Ou não?

No dia seguinte, quando acorda, sua casa praticamente não mais existe. Os ambientes estão vazios, tudo foi levado, o roubo foi completo. O que resta a Daniel é agradecer por terem mantido sua integridade física e, finalmente, terem ido embora, deixando-o em paz. Mas este é só o começo do filme. Poucos dias depois quem aparece à sua porta é Marek, oferecendo-se sexualmente a ele em troca do devido pagamento. Não há golpe desta vez, apenas um acordo comercial. O garoto tem fome, frio e está sozinho. O adulto tem tesão. E a razão deixa de existir. Entre os dois começa a se estabelecer uma relação, a ponto de, semanas depois, o homem estar sustentando com um cachê mensal o rapaz. Mas não apenas como atendente sexual. Entre eles já existe algo mais forte e profundo. O sexo virou somente um detalhe, isso quando há espaço para ele.

Robin Campillo é conhecido especialmente pelo roteiro de Entre os Muros da Escola (2008), premiado no César e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Meninos do Oriente é recém seu segundo trabalho como diretor, após Les Revenants (2004) – este infelizmente ainda inédito no Brasil. Esse histórico de cuidado com as palavras e com o desenrolar das ações para revelar o interior dos seus personagens fica bastante evidente neste novo filme, em que as relações entre os protagonistas se dão de modo muito coeso e orgânico. O íntimo é fundamental, mas sempre como espelho de uma realidade social muito mais impactante. O final, surpreendente, é libertador, tanto para o homem cuja vida vazia ganha sentido, quanto para o jovem, que finalmente encontra o suporte necessário para seguir em frente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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