Crítica

As capas do Meia Hora são uma atração à parte, com manchetes que ganham o leitor pela inventividade. Especialmente pensado para ser popular, o jornal angariou a simpatia das massas, alcançando números expressivos de venda, algo difícil nos dias de hoje, em que as mídias físicas vêm gradativamente perdendo espaço para as equivalentes digitais. Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete, documentário dirigido por Angelo Defanti, procura compreender o motivo desse sucesso, para isso partindo da gênese do periódico. O primeiro acerto é utilizar o humor característico do Meia Hora como tempero vital da linguagem. Cada reprodução de conteúdo na tela é um convite ao riso. Haja criatividade para gerar diariamente as chamadas que são responsáveis, muitas vezes, pelos bons índices comerciais.

O Meia Hora tem um indisfarçável jeitão carioca, tanto que sua edição paulista durou menos de um ano. A linguagem despojada e as tiradas espirituosas espelham o povo da Cidade Maravilhosa. Defanti não chega a estabelecer essa relação efetivamente, mas ela surge meio clandestina nas falas dos jornalistas e editores que fizeram ou fazem parte do cotidiano da redação. Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete, em princípio, expõe a lógica por trás das famigeradas capas que chamam atenção nas bancas. O tom laudatório logo dá espaço para uma visão mais crítica, a começar pela abordagem inteligente dos controversos bastidores da concepção desse tabloide barato, voltado às classes C e D. A ex-dona diz que a ideia foi dela; o ex-editor menciona seu solitário trabalho de criação; já um publicitário reivindica os méritos à sua equipe. O jargão diz: “filho feio não tem pai”. Já os êxitos, como o Meia Hora, têm muitos.

O aspecto visual se sobressai em Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete. Embora os entrevistados sejam gravados contra um fundo completamente neutro – exceção feita ao colunista emoldurado por mulheres de biquíni –, há uma série de animações que ajudam a dinamizar o todo, trabalho essencial dos Estúdios Mol. A inserção desses elementos gráficos e a fluidez de um roteiro que vai direto ao ponto, impondo-se pela maneira perspicaz com que entrelaça os aspectos de interesse, fazem do filme, além de esperto, muito agradável de ver. Pouco a pouco os questionamentos e relativizações ganham substância, como, por exemplo, os que dizem respeito aos termos pejorativos e jocosos comumente utilizados para noticiar a morte de bandidos. A opinião de acadêmicos é registrada como contraponto teórico à conduta questionável do corpo editorial do Meia Hora diante de determinadas coberturas.

Longe de ser apenas curioso, Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete tenta entender esse sucesso por diversos prismas. Angelo Defanti flagra contradições e inconsistências no discurso dos responsáveis pelo jornal, o que aumenta o enfoque e a relevância do documentário. Celebridades como Valesca Popouzuda, figurinha carimbada nas páginas da publicação, e David Brazil, um dos colunistas, falam sobre o carinho pelo tabloide mais vendido do Rio de Janeiro. A fidelidade de Defanti ao espírito do veículo que busca retratar aparece na engenhosidade visual e no humor que perpassa seu filme. Já os expedientes que ajudam a refutar uma abordagem bajuladora são um brinde à inteligência, tanto do espectador quanto do numeroso contingente de leitores do Meia Hora.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *