Medo e Desejo
Crítica
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Sinopse
Um grupo de soldados sofre um acidente de avião em terras inimigas. Eles devem encontrar rapidamente uma maneira de navegar pelo rio local até chegarem às suas bases. No caminho, eles encontram uma camponesa (Virginia Leith) e amarram-na a uma árvore, onde ela é torturada por um soldado com problemas mentais (Paul Mazursky). Antes de escaparem, os soldados decidem aproveitar a posição privilegiada em que se encontram para assassinar o comandante do grupo adversário.
Crítica
Toda guerra tem uma alcunha, seja Vietnã, Coréia ou Napoleônica. Mesmo as que se pretendem gerais, como a Segunda, são a batalha dos seus protagonistas: o eixo contra os aliados. As guerras nos lembram onde aconteceram, quais os partícipes e, com isso, não nos enganam – nós nos enganamos. Se os interesses são particulares; as mortes são universais.
Um espaço imaginário é o ambiente pelo qual se passa Medo e Desejo, longa de estreia de Stanley Kubrick. A geografia é desnecessária para situar-nos diante do grupo de soldados que conheceremos. Após a queda de seu avião em território inimigo, quatro militares evitam ser descobertos enquanto aguardam o resgate.
Com orçamento estimado em 33 mil dólares, Kubrick assumiu o filme por inteiro. Exceto o roteiro de Howard Sackler (também parceiro em A Morte Passou Perto, de 1955), assinou direção, produção, montagem e fotografia. Mas a concentração de esforços não garantiu profissionalismo. Para um perfeccionista como Kubrick, esta pode ter sido a primeira lição do cinema. Apesar de empenhar-se no caminho contrário, a marca mais saliente é a do amadorismo. A composição das cenas deixa a desejar – o que não impede momentos de boa construção e beleza. O roteiro limita-se a um argumento. A montagem não faz milagres e nem tem a fluidez necessária para dar ritmo ao filme.
De certa maneira, pode-se compreender o desejo de Kubrick ao censurar a obra. Para um diretor visual, comprometido com um primoroso vigor estético, o início pareceria o contraponto irônico da trajetória. Como pecado que necessita ser expurgado, a penitência de Kubrick foi a negação.
A grossa camada artesanal não impede, porém, que o filme diga a que veio. O diretor que reconheceremos por 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Laranja Mecânica (1971) está aqui presente ao dar a um filme de guerra mais do que ação, e transformá-lo em um inventário psicológico.
Liderados pelo tenente Corby (Kenneth Harp), o grupo de soldados se depara incessante e alternadamente com o medo e a coragem. O sangue rompe promessas e com elas muita coisa se perde. A cena da jovem prisioneira aos cuidados do soldado Sidney (Paul Mazursky), por exemplo, é a mostra de como a civilidade é um luxo que se esvazia com facilidade. De personalidades distintas, Corby e Mac (Frank Silvera) refletem a guerra desde dentro. Alguns são tomados pela precaução e autopreservação, outros pelo senso de responsabilidade e pela coragem.
Medo e Desejo é um embate psicológico do início ao fim, quando Mac e Sidney compartilham a mesma barca. As cenas de morte são poucas, o que evidencia o foco pretendido pelo diretor. Nos poucos momentos em que se apresenta, a morte tem o impacto dos cortes secos da montagem. Parada nos rostos inertes, a imagem é uma pergunta existencial – silenciosa. Em um misto de ação com reflexão, a última vence. O estandarte da proposta humanista do filme está em Mac, aquele que faz a escolha de poucos. Ao contrário do que parece afirmar o poeta John Donne, não somos um continente. Somos o resultado de poucos. Somos ilhas.
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