Crítica

Inspirado na história real dos irmãos Marguérite e Julien de Ravalet, que viveram na França dos séculos XVI e XVII e, brutalmente apaixonados um pelo outro, acabaram condenados à morte e executados em 1603, o roteiro de Marguérite & Julien: Um Amor Proibido foi escrito para, inicialmente, ser dirigido por François Truffaut. Não tendo ido para frente nas mãos de um dos pais da Nouvelle Vague, o projeto foi retomado por Valérie Donzelli, jovem cineasta e atriz que dirigiu, entre outros, o delicado A Guerra Está Declarada! (2011), candidato da França ao Oscar de filme estrangeiro em seu ano de lançamento.

Nas mãos de Donzelli, Marguérite & Julien até ganha alguns ares truffautianos, com brincadeiras espertas com a imagem, equilíbrio adequado entre leveza e tragédia ao contar uma história de amor jovem – logo, vigorosa –, mas fadada ao fracasso. Principalmente, no desprendimento em relação à noção tradicional de filme histórico, substituída por uma liberdade na lida com o tempo absolutamente encantadora, além de bastante eficiente no intento de representar o amor dos protagonistas como atemporal, imortal. Nesse sentido, Donzelli não situa seu filme em nenhuma época específica: os figurinos variam entre o período do Antigo Regime e o século XX; há referências, e mesmo a presença, do rei da França (o país deixou de ser monárquico, pela última vez, em 1848), ao mesmo tempo que se vê carros, luz elétrica e até um helicóptero em cena.

Esse uso criativo e livre do passado histórico é o que há de melhor em Marguérite & Julien. É o que faz o filme extrapolar o cinema romântico de época tradicional, tornando possível encaixá-lo na categoria, criada pelo historiador norte-americano Robert Rosenstone, de drama histórico inovador, entendido como aquele que busca “um novo vocabulário para representar o passado na tela”, se esforçando “para tornar a história [...] mais complexa, interrogativa e autoconsciente”. Donzelli também consegue demonstrar delicadeza no trato com a dupla de personagens centrais, entendendo-os e defendendo a validade de seus sentimentos – e os intérpretes de Marguérite e Julien, Anaïs Demoustier e Jérémie Elkaïm, são ótimos, contribuindo bastante para o sucesso da diretora nesse aspecto.

Mas há, claro, a inevitável sensação de se estar diante de uma história de amor proibido não exatamente inovadora (apesar de o tema do incesto continuar escandaloso nos dias de hoje), fácil de imaginar para onde caminhará. Sob o bem-vindo frescor estético introduzido por Donzelli está, portanto, a repetição incômoda de velhos arquétipos de um determinado tipo de narrativa: os jovens amantes impetuosos, os pais envergonhados ainda que amorosos, o marido traído tornado vilão odioso. Desses lugares-comuns, infelizmente, Marguérite & Julien não consegue escapar por completo.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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