Crítica


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Sinopse

Obcecado por um pintor que teria desaparecido há muitos anos, um perito em arte recebe a visita de um sujeito misterioso que afirma ter conhecido o sumido.

Crítica

Adaptação do livro Barco a Seco, de Rubens Figueiredo, Maresia se desenvolve em duas linhas temporais. Na primeira e mais bem resolvida delas, o ator Júlio Andrade é Emilio Vega, pintor espanhol radicado no Brasil, estabelecido longe da badalação comumente associada ao mundo das artes, preferindo um cotidiano mais livre, ainda que restrito. Morador de um barco, ele passa os dias a pintar e a negociar com os comerciantes locais a troca de seu trabalho por comida e demais produtos de subsistência, mas não só. Na segunda e mais problemática, o mesmo Júlio vive Gaspar, um perito em artes, profissional obcecado pela obra desse galego que morreu há bastante tempo, em circunstâncias, no mínimo, estranhas. Assim, passado e presente se alternam na tela. A fotografia do primeiro é luminosa, tendendo a ressaltar cores quentes. A do segundo é opaca, constituída basicamente de tons frios.

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A opção por um ator para interpretar ambos os protagonistas aqui é questionável, por não acrescentar muito à produção de sentidos, apenas deflagrando epidermicamente as diferenças basilares que distinguem um do outro. Ao passo em que avança, a narrativa aproxima as instâncias, tornando o choque iminente. Gaspar se considera um expert sem igual no que tange à produção de Vega, tomando para si o direito de conferir autenticidade aos exemplares que chegam à sua mão. No que diz respeito a esse elemento, Maresia ensaia timidamente refletir sobre a complexa natureza da arte. Sintoma disso, também, é a celeuma que o pintor tem como um colega italiano, cujos métodos completamente díspares dos seus foram deturpados no decurso da história, lidos erroneamente até por especialistas como influência ao homem que não escolhia superfícies quando inspirado, usando da tela ao bacalhau.

Certos trunfos são desperdiçados pelo diretor Marcos Guttmann. O principal deles se refere ao pretenso mistério em torno da figura de Inácio Cabrera (Pietro Mário), idoso que vai até a galeria onde Gaspar trabalha a fim de averiguar a genuinidade de quadros há décadas em seu poder. O enigma não é sustentado por muito tempo, pois as pistas, ao invés de se camuflarem no relacionamento estabelecido gradativamente, adquirem contornos de fortes evidências. À maior naturalidade vista no segmento centrado em Vega, se contrapõe um excesso de impostação predominante na trajetória de Gaspar. O descompasso gera um desequilíbrio incômodo, responsável por enfraquecer o todo, por fazer de Maresia um longa-metragem refém da volubilidade, perdido entre duas chaves narrativas distintas, sem decidir-se pela predominância de alguma delas, nem ao menos extrair valor dramático da discrepância.

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Mesmo sendo objetiva, de duração relativamente pequena, a realização de Marcos Guttmann cede espaço a passagens desinteressantes, talvez justamente em virtude da pressa, da qual decorre a superficialidade. Exemplos disso são a breve rusga familiar envolvendo os personagens de Vera Holtz e de Álamo Facó, e o idílio amoroso de Vega com a pescadora Maria (Mariana Nunes). Vega e Gaspar têm em comum uma dedicação quase total e irrestrita aos seus ofícios, o que, invariavelmente, lhes torna arredios ao destoante das rotinas laborais, aspecto este em que depositam boa parte da energia vital. Contudo, enquanto um, o intuitivo, utiliza tintas para tornar visíveis os impulsos criativos, o outro, racional ao extremo, se fecha hermeticamente, inclusive aos apelos para reavaliar condutas e, mais precisamente, rever visões que já dão sinais de cansaço. Maresia é inconstante, embora tenha lá suas qualidades.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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