Crítica

Mamaliga Blues, um dos títulos exibidos na Mostra Cinema Gaúcho do Festival de Gramado, acompanha um trabalho de arqueologia. A busca empreendida não é necessariamente por um túmulo, ainda que este seja de fato o local de referência, mas pelos antepassados do diretor Cassio Tolpolar, anteriores aos que migraram ao Brasil e fizeram daqui morada e terra da futura prole. De vilarejo em vilarejo, juntando um caco de informação aqui, outro acolá, os Tolpolar (além de Cassio, sua irmã e seu pai) se aproximam das raízes com dificuldade, afinal os registros dos itinerários de exílio e permanência foram bastante fragmentados em tempos de guerra.

Chama atenção a precariedade narrativa disfarçada de estilo. O falso despojamento (estética de vídeo familiar) em nada contribui, pelo contrário, pois não denota esforço de linguagem, mas sim certo desleixo. Outro ponto capital que enfraquece pouco a pouco Mamaliga Blues é a entonação de voz do diretor, ele que narra a jornada, quem sabe numa tentativa de enfatizar ainda mais o quão íntimo e pessoal é tudo aquilo. Em princípio, pode até soar preciosista essa objeção à impostação vocal. Entretanto, a estranha (e, imagino, involuntária) modulação, algo próxima da utilizada para contar histórias infantis, realmente atrapalha bastante, pois soa anômala.

Os Tolpolar percorrem a Moldávia numa tarefa árdua e, ao que parece, fadada ao insucesso, já que as entrevistas demoram para apontar qualquer direção mais concreta. A partir da dificuldade, outro viés que o diretor Cassio Tolpolar tenta explorar, mas também sem lá muito sucesso, é o êxodo judaico da Europa. Sua família era judia e o fato dos judeus terem dispersado em virtude do antissemitismo é em grande parte responsável tanto pelo desembarque dos Tolpolar no Brasil quanto pelo já mencionado extraviar das peças que faltam no quebra-cabeça.

Há pouco em Mamaliga Blues que o sustente para além do interesse dos próprios Tolpolar. Poderia, talvez, lhe conferir relevância nesse sentido a utilização do fragmento particular como ilustração de algo maior, ou seja, partir do micro ao macro. Infelizmente isso não acontece, o que restringe consideravelmente a comunicação do filme. Acredito que nem mesmo no meio judaico, nicho que o documentário busca sem muito disfarçar, ele encontre público entusiasmado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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