Crítica

Você não sabe o que busca até encontrar. E é pelo percurso turbulento da descoberta que Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) enveredam ao embarcar em um cruzeiro a caminho da Índia. Abraçados à beira-mar, o simpático casal inglês assume o símbolo ofensivo de uma relação que se não é feliz, peca por transparecer felicidade.

O encontro de Fiona com uma mulher aos prantos no banheiro, Mimi (Emmanuelle Seigner), selará o destino da viagem. O incidente trará à cena Oscar (Peter Coyote), escritor paraplégico, marido de Mimi. Ele surgirá após a sequência sintomática no bar do navio, em que a beleza das costas nuas de Seigner consome a malícia infantil de Grant e o enfeitiça. Somente o desconhecido nos atrai de verdade. O resto é convencimento e convicção. O resto é Fiona.

Com roteiro de Roman Polanski junto a dois de seus melhores colaboradores, Gérard Brach (Repulsa ao Sexo, 1965) e John Brownjohn (Tess: Uma lição de vida, 1979), inspirado na obra homônima de Pascal Bruckner, Lua de Fel (1992) sofre com a adaptação realizada. Sem conseguir se desprender do texto original, o roteiro impinge ao filme um tom melodramático nunca visto – e por sorte não repetido – na obra de Polanski. O resultado parcial são sequências arrastadas, adocicadas e evidentemente datadas – algo raro para um trabalho que não se pretende de época. Por sorte, o tom não atinge a fluidez, que salvaguardada pela boa montagem de Hervé de Luze (O Escritor Fantasma e Deus da Carnificina) não deixa o filme apático e permite ao diretor revelar o conteúdo da história em sua potência ilimitada. Ancorado em um tripé, Lua de Fel é força, obsessão e sedução.

É possível, aliás, que nenhum diretor tenha percebido a sedução como reduto do mistério. Pelo menos nenhum antes de e tão bem quanto Polanski. Ao se dar conta de que Nigel poderia estar enlaçado nas teias de Mimi, Oscar lhe dá um aviso, mas um aviso que o atrai e envolve cada vez mais. Nigel quer conhecer a história de Mimi sem suspeitar que o conhecimento é um caminho sem volta. Do outro lado, cada vez mais secundária e afastada, Fiona percebe o desinteresse do marido. Mas o interesse não é algo estático e ela sabe que não estar ali significar estar em outro lugar.

O rascunho de Polanski é evidente. Nigel e Fiona e Oscar e Mimi são faces da mesma moeda. Uma aparece centrada e introvertida, em tons neutros; a outra, robusta e sensual, em vermelho ou preto. Uma é fraca, a outra, forte. O encontro do lado iluminado e do sombrio. A pulsão de vida e a de morte que, aparentemente contrárias, no fundo se complementam. Menos diferentes entre si, as figuras masculinas de Grant e Coyote não são o processo, mas o resultado das escolhas. Polanski, por sua vez, é a corrupção das escolhas.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *