Crítica

A palavra “loreak” quer dizer, em português, “flores”. E este termo, por dois motivos, é o que mais chama atenção nesse discreto, porém poderoso, filme. Afinal, a expressão não vem do espanhol (país de origem da produção) ou do latim, por exemplo. Trata-se de uma palavra de origem basca, e este mérito é o primeiro ponto de curiosidade: temos, aqui, o primeiro longa falado inteiramente em basco a ser indicado ao Goya como Melhor Filme e a ser selecionado para o importante Festival de San Sebastian, entre outros feitos. E também pelas flores serem aproveitadas como fio condutor de quase toda a trama. Loreak, portanto, é uma obra de sentimentos delicados e emoções contidas, que impressiona pela beleza e merece ser observado com cuidado e atenção, antes que se esvaneça no esquecimento que somente o tempo proporciona, tal qual um buquê colhido no campo.

Aqui cabe uma explicação. O País Basco é uma das regiões que mais clama por independência em toda Europa, e sua ligação à Espanha tem sido imposta há décadas, mas nunca acalmada com medidas realmente de efeito. Poucos meses antes do lançamento deste filme, por exemplo, cogitou-se outro plebiscito entre a população para referendar uma decisão drástica de afastamento, algo que o governo central teme descobrir os resultados. Portanto, é curioso perceber que no âmbito das artes pouco tenha sido feito até o momento para aproximar os dois lados. O Goya é o maior prêmio do cinema espanhol – o equivalente local ao Oscar – e descobrir que em quase trinta anos de evento apenas um longa foi indicado ao seu troféu máximo é estarrecedor. Também choca tomar conhecimento que em todos estes anos San Sebastian – festival localizado dentro dos limites geográficos do País Basco – nunca tenha selecionado uma produção falada na língua local. Preconceito ou escassez de material artístico competente?

Pelo que se vê em Loreak, a tendência inevitável é tender para a primeira impressão. Em cena, temos três mulheres ligadas pelo elemento do título. Ane (Nagore Aranburu) está cansada do próprio casamento quando começa a receber flores anônimas, todas as semanas, o que reacende sua autoestima. Lourdes (Itziar Ituño) também está em crise com o marido, até que ele morre em um trágico acidente. Anos depois, fica intrigada ao perceber que o local do acidente segue recebendo flores novas todas as semanas, sem imaginar quem poderia estar fazendo isso. E, por fim, temos Tere (Itziar Aizpuru), sogra de Lourdes, que nunca se deu com a nora mas, após o falecimento do filho, precisa reencontrar um modo de conexão com a mulher, nem que seja no momento de trocar as flores na lápide do rapaz morto.

Sucesso de bilheteria na Espanha, Loreak é um filme de ritmo diferenciado e momentos de muitos silêncios, que não tem pressa em revelar suas ações e verdadeiros interesses. O enredo traz nas flores tanto um símbolo de vida, com suas cores e perfumes, como também de morte, com seu inevitável apodrecimento e abandono. A memória dos personagens também é ponto de grande interesse, pois serve para conectar tanto os que estão vivos como aqueles que há muito já partiram. Com atrizes no completo domínio de seus talentos – o destaque é Itziar Ituño, que vai da angústia, do ciúmes e à melancolia com impressionante suavidade – a obra convida seu espectador a uma jornada emocional bastante singela, mas dona de insuspeitas surpresas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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