Crítica

Do alto de seus 63 anos, ainda em plena atividade, o baixista, vocalista, frontman e figura lendária do metal e do rock em geral seria a figura central dos esforços cinematográficos de Greg Olliver e Wes Orshoski em registrar um estilo de vida que claramente está em extinção. Lemmy é um documentário sobre o Motorhead, sobre thrash metal , sobre música alta e, claro, uma reverência mais do que merecida a Lemmy Kilmister, registrando sua intimidade, desde sua humilde casa às participações em programas de rádios populares.

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O nome original do filme é quase uma anedota –Lemmy: 49% Motherfucker, 51% Son Of A Bitch – especialmente por não ser uma definição precisa nem de sua personalidade e nem de seu trabalho artístico. Os primeiros momentos da fita são utilizados para estabelecer a humanidade do biografado, mostrando-o fazendo sua própria comida (gordurosa ao extremo), jogando video-game em um quarto repleto de memorabília e o trânsito comum que faz em Los Angeles, a cidade que adotou nos últimos anos de sua vida.

Lemmy desfaz um mito, de que teria dormido com mais de duas mil mulheres, reduzindo tal número a metade e afimando que nem eram tantas, já que passou mais de seis décadas vivo e sempre solteiro. Os depoimentos de musicistas e atores famosos ajudam a estabelecer a aura mítica em volta do baixista, mas os momentos mais interessantes são os de observação do seu modo de ser, que faz conjecturar o seu ideário e o quão rara era sua personalidade. Poucas coisas importavam para Kilmster, especialmente em relação ao seu comportamento. Não havia qualquer resquício de ação paladina em si, já que seu foco sempre foi o seu próprio bem-estar, claro, levando em consideração o vasto corpo de fãs que o veneravam por suas músicas tocadas em um volume sempre altíssimo.

Impressiona a simpatia causada por sua figura, mesmo que aparente agressividade em suas letras e riffs de baixo. Lemmy é mostrado como uma pessoa surpreendentemente doce, sentimental e amado por todos que o cercam. Ao ser perguntado qual era seu maior bem, dentre tantos objetos colecionáveis, discos de ouro etc, sua escolha foi por seu filho, Paul Linder, que conheceu tardiamente e que o acompanha no documentário. Fosse qualquer outro depoente, a declaração poderia soar piegas e política, mas a sinceridade implacável e crua do rockstar não deixa dúvida sobre a veracidade dos seus depoimentos, e do amor extremamente sexual que tinha pelas groupies, incluindo aí a mãe de seu filho.

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Da parte musical, há a demonstração de vídeos raros da época em que Lemmy assumia o baixo da Hawkind, em uma era pré-Motorhead. A saída conturbada da banda não é escondida das câmeras, que registram a inconsequência do seu personagem de estudo, ao mesmo tempo em que o torna sagrado. Pedaços polêmicos de sua história são retratados, como sua coleção de artefatos e vestimentos nazistas, ainda que todas as ressalvas sejam feitas pelo próprio, com relação a distância que ele tem dessa ideologia.

A direção de Olliver e Orshoski é sóbria e discreta, não se permite ser inventiva ou autoral em demasia, sem incorrer em maneirismos, já que o intuito do filme é capturar a essência e caráter de Lemmy Kilmister, em detrimento de qualquer marca pessoal dentro do longa-metragem. A ideia é plenamente alcançada, uma vez que qualquer um que assista a Lemmy até o final entenderá ao menos em parte quem foi o personagem analisado.

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A duração de quase duas horas mal é sentida, dada a fluidez da edição, que sabe dosar magnificamente momentos do passado, entrevistas, cenas de backstage da banda ainda em atividade e a simplicidade dos aposentos de Kilmister. Lemmy é um documento que deve ser apreciado pela posteridade, como importante registro da memória de um dos pilares do rock moderno, influente dentro de seu sub-gênero e de tantos outros. Ao ser perguntado a respeito do desfecho de um filme sobre sua vida, próximo dos momentos finais da película, sua fala é: “Com o som de trovões e eu desaparecendo no topo de uma montanha... E com as palavras, ‘Enganei vocês de novo’ ou qualquer coisa do gênero... Mas deve ser muito caro arranjar isso tudo”. As palavras servem quase como pontos proféticos, aludindo a gangorra emocional em que Kilmster viveu, sempre alto, rápido e intenso demais.

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é Jornalista, Escritor e Editor do site Vortex Cultural (www.vortexcultural.com.br). Quer salvar o mundo, desde que não demore muito e é apaixonado por Cinema, Literatura, Mulheres, Rock and Roll e Psicanalise, não necessariamente nessa ordem.
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