Crítica

Melhor do que vencer um Oscar é ter uma vida tão interessante a ponto de despertar a curiosidade de alguém que queira fazer um filme sobre você”. Quem diz isso não é o diretor Fellipe Gamarano Barbosa, muito menos a protagonista cujo nome batiza este curioso documentário. O autor da declaração acima é o ator Ron Pearlman, o intérprete do herói Hellboy (2004) e visto recentemente no intenso Drive (2011). E, por fim, amigo de Laura. A aparição do astro hollywoodiano é apenas uma das surpresas proporcionadas a quem superar uma estranheza inicial e decidir embarcar nessa jornada pelo desconhecido, em que o inesperado é justamente o que faz tal caminho valer à pena.

A democratização dos meios de realização cinematográfica – afinal, hoje em dia todo mundo carrega uma câmera no próprio bolso! – tornou possível a realização de um filme como Laura. O projeto, realizado ao longo de alguns anos, tem como proposta registrar o cotidiano desta mulher singular. Brasileira nascida na Argentina, se mudou para o nosso país ainda criança e por aqui morou até os 30 anos, quando foi para Nova York, lugar onde está até hoje – apesar de continuar com residência fixa no Rio de Janeiro. Lá se tornou uma figura carismática, que é convidada para as principais premières e eventos da cidade à noite, ao mesmo tempo em que passa os dias em um apartamento minúsculo, apertada entre entulhos, papéis, relíquias, achados e outras coisas aleatórias que, para muitos, nada mais são do que puro lixo. Para ela, no entanto, são comprovantes de uma vida que talvez já tenha passado, mas a qual segue apegada com a mesma força que luta pela preservação de toda essa memorabilia.

No começo é difícil decifrar os porquês por trás de Laura, o filme. O que levou Fellipe a investir tempo e dinheiro neste projeto? Quem é esta mulher, afinal? Como se sustenta? Por que saiu do Brasil e o que a mantém ligada com o país? O que ela poderia ter de tão especial a ponto de justificar esse interesse? Caçadora de estrelas – as cenas em que aparece perseguindo Clive Owen, Julia Roberts e Nicole Kidman são hilárias – ou ela própria alguém célebre o suficiente para ser abordada por estranhos nas ruas? Musa de ídolos populares, fugitiva internacional ou produtora cultural? As pistas são diversas, e estão espalhadas por todo o longa, desde a primeira cena na abertura até durante os créditos finais. Suas atribuições são muitas, mas no entanto a impressão que temos é de completo mistério a respeito de suas reais ocupações profissionais. Nem mesmo seu sobrenome tomamos conhecimento. E enquanto tentamos desvendá-la, ficamos atento a cada desdobramento dessa trama que, felizmente, tem mais a oferecer.

Pois exatamente no ponto em que Laura poderia desandar por falta de rumo, diretor e roteirista decidem eles próprios entrar em cena, renovando nossa atenção. O que acontece é que a protagonista entra em conflito com o cineasta, que está constantemente tentando mostrar além do que ela gostaria que fosse visto. Laura possui um conceito muito fechado a respeito de si mesma, mas a verdade engloba mais do que o cabível dentro destes limites auto-impostos. Quando finalmente percebe que suas condições podem não estar sendo respeitadas, ela não mede palavras para confrontá-lo. E nós, espectadores, assumimos posição privilegiadas diante este debate, que chega a alcançar níveis dramáticos que nem os melhores reality shows sonham vislumbrar. E por fim, o segredo é dito pela própria biografada: “você pensa que conhece Laura? Muito se engana, afinal não sabe p**** nenhuma sobre quem eu sou”!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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