Crítica

Em visita ao Brasil, a cineasta Julie Gavras afirmou que sua maior dificuldade em realizar Late Bloomers: O Amor não tem Fim foi encontrar a intérprete ideal para a protagonista, uma mulher em torno dos 60 anos que não só não tem medo do passar dos anos, como abraça a chegada da terceira idade com prazer e resignação. Filha do consagrado diretor Costa-Gavras, autor de obras clássicas e polêmicas como Z (1969) e Muito Mais Que um Crime (1989), Julie cresceu cercada de astros e estrelas, e por isso denota-se que a dificuldade em encontrar a atriz certa não era a falta de conhecimento ou contatos. O que não tinha eram os argumentos certos e o poder de convencimento, uma vez que nenhuma atriz francesa dessa faixa etária aceitou o convite, pois se recusava a envelhecer também na tela grande. Foi preciso ir atrás da italiana Isabela Rosselini, que assumiu com empenho e dedicação essa personagem, resultando num dos melhores trabalhos de toda a sua carreira.

Ao lado de Rosselini está o americano William Hurt, vencedor do Oscar de Melhor Ator por O Beijo da Mulher Aranha (1985). Meio fora de órbita nos últimos anos, ele mais uma vez se mostra impecável como o marido que não aceita a nova condição com o mesmo fervor da esposa, agindo de forma completamente contrária. Arquiteto renomado, resolve ir contra a trajetória de sucesso que sempre trilhou para se aproximar de novos talentos do escritório e tentar se renovar, partindo para novos desafios. Isso entra em conflito direto com a esposa e com a família, provocando sua saída de casa e o afastamento dos filhos, que se unem para impedir uma separação definitiva dos pais.

Julie Gavras estreou como realizadora com o comovente e politizado A Culpa é do Fidel (2006). Esse seu segundo trabalho não é tão relevante socialmente, mas é ainda mais delicioso de se assistir. E isso se deve em grande parte à feliz coincidência de reunir dois astros que já viveram momentos de maior brilho na constelação hollywoodiana, mas que agora, décadas depois, se mostram ainda em plena forma. Isabella, filha da oscarizada Ingrid Bergman, amadureceu de modo impressionante, e mostra em cena que mesmo sem a beleza da juventude continua sendo uma das mulheres mais lindas do cinema atual. Já Hurt, um homem de poucas palavras que fala muito mais pelos olhos e gestos, se encaixa perfeitamente ao papel que lhe é oferecido, sem temer o ridículo ou os constrangimentos típicos daqueles que se recusam a encarar a realidade tal qual ela se apresenta.

Late Bloomers: O Amor Não tem Fim é, em última instância, uma encantadora e emocionante história de amor. O que o filme mostra, acima de tudo, é que não importa a idade dos envolvidos, e sim o desejo e a vontade de cada um em envolver e surpreender o outro. A arte da conquista deve estar sempre presente e em prática, e a idade não deve ser mais do que um mero fator em todo esse cálculo, sem nunca assumir a posição de peça fundamental. Uma obra sem maiores pretensões além de entreter e estimular a reflexão sobre um assunto que todos, mais cedo ou mais tarde, irão enfrentar. E já que é inevitável, porque não encarar com um sorriso no rosto?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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