Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Um casal de idosos vive em uma fazenda abandonada. O tempo os acompanha, fazendo recordar seu passado. Mas terão uma última lição: não restará nem memória daquilo que esse mesmo tempo grava.

Crítica

É no mistério que mora a sedução. O jogo de esconder e mostrar, o plantio da dúvida no outro sempre garante, no mínimo, um interesse. O cineasta maranhense Frederico Machado, que comanda a produtora Lume Filmes e já havia chamado atenção da crítica com seu trabalho O Signo das Tetas (2015), chegou a vigésima edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, dentro do segmento Olhar Livre, com uma fábula de horror e poesia. Lamparina da Aurora apresenta algumas marcas registradas do diretor, como a presença da natureza e também os questionamentos sobre o homem e a solidão, mas inova dentro de sua filmografia por ser um filme de gênero e, justamente por isso, demonstrar um diálogo maior com o espectador.

Com um elenco enxuto de três atores, a trama se passa numa fazenda do Maranhão, onde um casal recebe a visita de um jovem misterioso. Tão misterioso que não há nenhum diálogo ou cena explicando de onde veio ou o que deseja o personagem. Apesar de desde o começo ficar claro que Lamparina da Aurora é uma experiência fantástica, o diretor faz do surgimento deste homem o ponto de partida para que o clima fantasmagórico fique mais expressivo, na estética e também na condução da história. Embalado por versos escritos pelo pai de Frederico, o poeta Nauro Machado, vivenciamos o cotidiano silencioso e sufocante de um casal, sempre ambientado a noite ou no final de tarde. É como se as manhãs, a aurora tão cobiçada, chegasse mas não tivesse significado para as angústias dos dois. Logo, é apagada de suas vidas e não apresentada aos que a assistem.

Uma constante, tanto nos poemas como nas sequências, é a morte. Não o ritual que ela envolve, mas o lado mais prático, a podridão dos corpos, o sangue, a terra, os vermes. Não é a melhor das visões e talvez por isso Frederico Machado tenha se preocupado em mostrá-la com metáforas, como a goteira que começa a pingar sangue e o corpo coberto de folhas, esperando o fim. São imagens que remetem ao sopro que é a existência, mas que possuem uma beleza esperançosa, quase de conto-de-fadas, apesar das passagens sombrias. Nisso, a fotografia assinada também pelo cineasta, lembra outro exemplar fantástico, o filme Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas (2010), do tailandês Apichatpong Weerasethakul, em especial nas cenas do ator Buda Lira na floresta, banhando-se em um rio como se quisesse lavar algo além do corpo.

Lamparina da Aurora deve agradar os fãs do cinema de horror mais experimental, pois tem em seu roteiro todos os ingredientes necessários. Porém, vale assisti-lo com atenção e com os ouvidos ligados na narração. Juntos, som e imagem oferecem um novo significado, um novo experimento, um novo filme. Como na poesia, o mesmo verso pode ganhar contornos diferentes se for lido com um olhar inédito por um velho leitor.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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Grade crítica

CríticoNota
Bianca Zasso
9
Robledo Milani
7
MÉDIA
8

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