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Sinopse

Os desafios de uma nova vida se apresentam para uma jovem que começa a trabalhar num luxuoso bordel parisiense.

Crítica

Aclamado por uns, desprezado por outros. Essa parece ser a sina que envolve o Cinema Francês, a cinematografia de mais personalidade em todo o mundo. Por outro lado, é difícil defini-los. É fácil dizer que os filmes argentinos são sentimentais, que os americanos são comerciais, que os ingleses são sisudos, que os italianos são escrachados, que os iranianos são herméticos e até que os brasileiros são... bom, nós ainda precisamos nos encontrar. Mas os franceses são tradicionais, reconhecidos, famosos e ainda assim, fechados em seu próprio mundo. Quem consegue adentrar, se encanta. Quem fica de fora, estranha e rejeita. E mais uma vez encontramos esse dilema em L’Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância, longa escrito e dirigido por Bertrand Bonello e que estreou envolto em polêmica nos Festival de Cannes 2011, de onde saiu, curiosamente, de mãos abanando.

L’Apollonide se propõe a narrar os dias derradeiros do último grande bordel parisiense. Faz-se, portanto, um quadro global da situação que envolve as meninas, os clientes, a cafetina... ou seja, todos que vivem ao redor desse universo. E, claro, todos os estereótipos já imaginados e bem conhecidos marcam presença: a novata, a desprezada, o senhor que só quer conversar, o apaixonado que promete muito e cumpre pouco, a invejosa, a cobiçada. O realizador, no entanto, prefere não se ater a nenhuma em especial, preocupando-se mais com o cenário geral do que com cada uma das personagens individualmente. A edição bastante estudada, que alterna flashbacks com situações no presente, vai elaborando um quebra-cabeça tanto de suspense quanto de melancolia. Aquele é um mundo com data marcada para acabar, e mesmo assim se recusa a perder a elegância e a pompa.

Um elemento provoca uma interessante inquietação naquele cotidiano de duvidoso charme, apontando para uma decadência iminente e inevitável: um dos clientes, dominado por uma tara doentia, ataca uma das meninas durante o encontro dos dois, deixando-a com duas monstruosas cicatrizes no rosto. Sua face fica como a do vilão Coringa, inimigo do Batman: com um permanente sorriso. Ela passa a ser conhecida como A Mulher que Ri, atraindo os mais estranhos interessados. Quais as razões que levaram este homem a cometer tal barbaridade é um dos mistérios, ao mesmo tempo em que se perguntam se ele voltará a importuná-las e, nesse caso, como poderão se defender. É uma curiosa analogia com a posição que ocupam diante um século que está começando e que aponta para o fim de todos estes luxuosos privilégios, um processo que terminará nas prostitutas que hoje ficam em esquinas, sem proteção nem glamour, numa triste caricatura dos tempos de outrora.

Bonello, o diretor, construiu sua carreira apoiando-se em questões sexuais, como nos seus trabalhos anteriores: O Pornógrafo (2001), com o icônico Jean-Pierre Léaud (ator fetiche de François Truffaut), e Tirésia (2003), sobre uma travesti brasileira que tenta a vida nas ruas de Paris. São dois títulos que compõem com esse mais recente uma trilogia fetichista, cheia de pecados, mas também dona de muitos prazeres. L’Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância é um filme para poucos públicos, se apresentando sem concessões ou soluções fáceis, apostando mais na capacidade do espectador de se envolver com o todo do que investir num inequívoco potencial voyeurístico. Assim, ganha pontos tanto pela coragem como pela ousadia, ao mesmo tempo em que afasta os meramente curiosos. Uma decisão de altos e baixos, em que ganham somente os mais perseverantes.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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