Crítica

Paulina começa e termina com a personagem título (Dolores Fonzi) discutindo com seu pai, Fernando (Oscar Martínez). Respeitado e poderoso juiz de uma província argentina, ele tenta, no início do filme, convencer a filha a desistir de largar a advocacia para dar aulas de política numa favela. No epílogo, seu esforço é por novamente mudar uma decisão da filha, agora envolvendo diretamente escolhas dela como mulher.

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A relação entre esses dois personagens é fundamental para entender o longa de Santiago Mitre. Paulina Vidal admira, profissional e politicamente, além de amar profundamente, seu pai. Mas há em suas decisões a necessidade de seguir um rumo próprio, de sair da sombra acolhedora, mas também opressiva, de Fernando. A grande força de Paulina está em conseguir saltar dessa motivação individual, psicanalítica em alguma medida, para outra mais política. É que as escolhas da protagonista vão muito além de um desafio birrento à figura paterna: elas representam a tomada, por uma mulher, do controle da sua própria vida, num mundo de homens detentores dos meios para solucionar problemas.

Passa por aí o entendimento das decisões de Paulina. A maneira como ela reage à violência que sofre não tem nada a ver com um delírio conservador sobre o comportamento feminino – e é bem provável que surjam interpretações do tipo, culpando a personagem pelo ocorrido, mas valorizando sua opção final, que seria condizente com o que se espera de uma mulher “decente” – ou com a moral cristã que, ao que parece, permeia o filme original, de 1960. Na verdade, trata-se aqui da construção de uma lógica alternativa de lida com o mundo, que não a masculina, fadada a uma violência absolutamente destrutiva. Violência presente, claro, no ato contra a protagonista, mas também nas soluções propostas por seu namorado (Esteban Lamothe) e por seu pai. Profundamente mergulhada na política – que não a dos políticos, como ela busca explicar a seus alunos num determinado momento –, Paulina usa sua crença no outro como instrumento de ruptura com um ciclo de bestialização do ser humano.

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Entender isso não significa, necessariamente, concordar com suas escolhas, que são complexas, difíceis, e que emergem num filme igualmente intrincado, sofisticado também na estrutura narrativa. Para além de tentar apresentar qualquer comportamento como modelar, o que Santiago Mitre faz em Paulina é um convite radical à compreensão da experiência do outro, belissimamente verbalizado na conversa final da protagonista com o pai.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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