Crítica

Se a Disney, em O Rei Leão (1994), aproveitou-se das paisagens africanas para ambientar seu bem sucedido longa-metragem, nada mais justo que uma animação da África do Sul pegue emprestado alguns elementos daquela produção. Ou seria tomar de volta? Em Khumba, o diretor estreante Anthony Silverston coloca o espectador no meio da savana africana para mostrar a aventura de uma zebra dotada de menos listras, mas não de menos coragem.

Na trama, assinada pelo cineasta ao lado de Raffaella Delle Donne, Khumba é uma zebra que nasceu com metade do seu corpo sem as tradicionais listras. Vivendo em uma comunidade fechada com apenas animais de sua espécie, o filhote logo é tratado como um ser inferior, uma aberração digna de pena, uma meia-zebra. Os mais supersticiosos, inclusive, atribuem a escassez de chuva ao nascimento do jovem. Khumba tenta provar seu valor aos demais, mas falha a cada nova tentativa. Tudo muda quando ele recebe a visita de um louva-deus que lhe desenha um estranho mapa. Trata-se da fonte mágica, lugar onde a água abunda e existe a promessa de novas listras para Khumba. O jovem decide empreender esta jornada, contando com a ajuda dos seus novos amigos, a gnu Mama V e o avestruz Bradley, sem saber que o terrível leopardo Phango está em seu encalço.

As semelhanças com O Rei Leão estão em diversos lugares, mas nunca de forma oportunista. Existe a morte de um parente próximo ao protagonista que dá bastante peso à trama. Uma dupla engraçadinha acaba ajudando Khumba a se desenvolver. E, por fim, o próprio nome lembra o leão Simba. Estes pontos, atrelados a ambientação do longa africano, acabam lembrando seu distante parente da Disney. O cenário remete à Pedra do Rei, em menores proporções. Mas como poderia ser diferente? Somos enviados de volta à savana africana, ainda que sem o mesmo apuro técnico mostrado pelo estúdio do Mickey há 20 anos. Nota-se esforço pela parte dos artistas envolvidos em conceber da melhor forma possível o ambiente em que aqueles animais vivem, ainda que não seja possível visto o orçamento limitado. A trilha sonora, como não poderia deixar de ser, se escora em sons típicos africanos. E, logicamente, a presença de animais nativos como gnus e zebras em ambos os filmes só representa a fauna do local e não poderia ser apontada como homenagem ou citação.

Khumba apresenta uma bela mensagem à criançada através da zebra diferente, que prova ser tão valorosa quanto qualquer outra de sua espécie. O filme trabalha as questões do preconceito, bem como as da superstição desmedida e da coragem frente às adversidades. Os personagens não são tão cativantes para adultos, mas a criançada pode se divertir com o temperamento excêntrico do avestruz Bradley e com as atrapalhadas e desmemoriadas cabras-de-leque. Com um andamento mais rápido e uma trama mais amarrada, o resultado final poderia ser melhor.

No Brasil, Khumba ganhou dublagem com nomes conhecidos do grande público como Rodrigo Faro, Sabrina Sato e Marco Luque. O investimento em artistas populares, todos apresentadores de programas de tevê, parece um tanto estranho neste caso. Seria chamariz de público uma personagem dublada por Sabrina? Alguém iria ao cinema exclusivamente para ouvir a apresentadora? Alguém levaria seu filho a uma sessão por Marco Luque? Na versão original, os mesmos personagens são defendidos por Jake T. Nelson, Loretta Devine e Richard Grant, com a adição de outros nomes mais conhecidos como Liam Neeson, Steve Buscemi e Laurence Fishburne.

Produção esmerada da África do Sul, país sem muita tradição em animações, Khumba foi indicada como Melhor Filme no tradicional festival de Annecy – acabou perdendo para o brasileiro Uma História de Amor e Fúria (2013), de Luiz Bolognesi. Para quem curtiu a história da zebrinha, a boa notícia é que uma continuação está marcada para estrear em 2015, novamente capitaneada por Anthony Silverston. Espera-se que até lá, os problemas de andamento da história, bem como as restrições orçamentárias para a criação da savana africana, sejam sanados.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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