Crítica

O cineasta Richard Linklater se dedica a manipular a passagem do tempo como poucos outros realizadores contemporâneos, competência que demonstrou no romance que atravessa décadas da trilogia iniciada em Antes do Amanhecer (1995) e também nos 12 anos de produção que tornaram possível o singular Boyhood: Da Infância à Juventude (2014). Pois mais uma vez o tempo aparece como protagonista de seu cinema, desta vez na comédia oitentista Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, na qual o diretor viaja para suas próprias reminiscências juvenis em uma produção guiada por nostalgia, bebidas, sexo e boa música.

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Indicado como uma “sequência espiritual” para um dos primeiros longas do diretor, Jovens, Loucos e Rebeldes (1993), o novo trabalho de Linklater também reflete uma continuidade à Boyhood, que se encerra com a chegada de Mason (Ellar Coltrane) na universidade, quando ele conhece novos amigos, um possível interesse romântico e a vida além dos estudos. Desta vez é Jake (Blake Jenner) quem faz às vezes de alter ego do diretor; o jovem texano chega no campus às vésperas do período letivo e logo descobre incontáveis amizades em sua fraternidade e nos colegas de baseball, quando também se envolve com algumas garotas e se divide entre os treinos do esporte e festas que parecem infinitas.

Se em Jovens, Loucos e Rebeldes a atmosfera era aquela dos últimos dias de escola nos anos 1970, esta “não-continuação” transfere as desventuras de seus personagens para um universo onde não há mais a supervisão adulta. Enquanto Jake e sua trupe se descobrem responsáveis por si próprios e suas escolhas, o filme percorre interações tipicamente masculinas, que envolvem bebedeiras intensas, provocações amistosas, pequenas trocas filosóficas, experimentações sexuais e com algumas drogas. Mas há mais para ver do que o olho percebe: Linklater se vale da atmosfera superficial de sua premissa para investigar a transformação de seu protagonista, Jake, entre o homem que ele deseja ser e aquele em que deve se transformar. Dividido entre os próprios impulsos de uma maturidade latente ou nas urgências de seus colegas de time e interesses românticos, o longa dedica algumas de suas camadas para avaliar o que ocorre com a chegada da vida adulta, seus dilemas e imbróglios.

Dedicado a este retrato do universo masculino universitário, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes se torna inevitavelmente sexista; as personagens femininas raramente ganham alguma dimensão além de seus contornos físicos e servem apenas como brinquedos sexuais aos homens que as cercam. Além da encantadora Beverly (Zoey Deutch), outras mulheres possuem pouquíssimas falas e a maioria delas sequer tem nome, acabando indicadas nos créditos finais do filme como “estudante bonitinha #1”, “garota da irmandade #2” ou “vencedora da luta na lama”. Outro problema: para um filme que se apoia na nostalgia evocada pela época e ambientação que representa, a produção talvez pareça distante para audiências como a brasileira, que não tem contato recorrente com fraternidades e baseball além de suas representações fílmicas.
 

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Jovens, Loucos e Mais Rebeldes pode não demonstrar o mesmo senso de tempo e espaço que seu precedente espiritual, assim como na relevância de personagens femininas, mas ambos os filmes são irretocáveis em suas trilhas – com clássicos que vão de My Sharona, do The Knack, a Heart of Glass, do Blondie. Longe de apresentar arroubos estéticos ou escolhas narrativas ousadas, o que impressiona aqui, mais uma vez, está no senso indescritível do presente retratado por Linklater. O tempo, para ele, não é apenas um fator, mas um personagem, um jogador. Encontros sempre são mais interessantes quando há um limite definido – seja o amanhecer, o pôr-do-sol ou a meia-noite. A vida de um garoto parece mais importante quando ele parece envelhecer em frente aos nossos olhos, nunca mais sendo aquele que era apenas alguns minutos atrás. O que há de excepcional em Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, ou no Todos Querem Um Pouco!! de seu título original, é justamente o que mais queremos: tempo.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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