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Sinopse

No fundo de seu quintal, numa casa na periferia de Salvador, Jonas, de 13 anos, mantém um pequeno circo. Ele, que vem de uma família circense, é quem treina seus amigos para apresentar-se num espetáculo, cobrando ingressos baratos das crianças que moram ali por perto. Quando as aulas começam, no entanto, os colegas o abandonam. É cada vez mais difícil para Jonas sustentar seu sonho de pé, especialmente porque sua mãe e sua avó insistem que agora ele também tem que estudar. Ao mesmo tempo, a própria explosão de sua adolescência lhe coloca outros desafios e escolhas.

Crítica

O circo está no sangue de Jonas, garoto de 13 anos que mora na periferia de Salvador. Filho e neto de artistas do picadeiro, ele faz do quintal o templo de sua devoção, montando um espetáculo com os amigos, no qual a aparente brincadeira ganha contornos de seriedade. A diretora Paula Gomes começa Jonas e o Circo Sem Lona apoiada nesse personagem carismático, na sua paixão desmedida, registrando-o bem de perto, não raro preterindo os planos abertos em detrimento dos fechados, numa concepção visual que denota a vontade de aproximar-se de fato. Ela mostra Jonas cuidando de todos os pormenores que dizem respeito à apresentação, dos ensaios, em que cobra disciplina dos colegas, à apresentação propriamente dita, ocasião em que a magia transcende a precariedade. Aos poucos se desenvolve uma relação de cumplicidade entre a diretora e o pequeno protagonista, vínculo responsável por adicionar outras camadas de significância ao documentário, além da meramente expositiva.

O fim das férias de Jonas marca uma virada importante em Jonas e o Circo Sem Lona, já que o garoto precisa voltar à rotina escolar, o que lhe deixa com menos tempo para dedicar-se aos preparativos do show. Paula acompanha Jonas durante essa mudança, flagrando a forma preguiçosa e burocrática dele encarar a necessidade de acordar cedo, vestir o uniforme e comportar-se dentro de um padrão aceito como normal às crianças de sua idade. A câmera também o segue no cotidiano das aulas. Momentos espirituosos, como o da colega de classe questionando a importância de se fazer um filme sobre aquele menino, em princípio, sem traços extraordinários, conferem graça à narrativa e, ao mesmo tempo, tornam substanciais os comentários adjacentes que gradativamente se impõem no primeiro plano. A diretora sublinha a inadequação de Jonas, promovendo um choque, já que a excepcionalidade depende do lugar, do meio em que se está inserido, não se curvando, assim, às regras.

A insistência da mãe de Jonas para ele estudar não é desmerecida por Paula, ou vista na condição de entrave ao sonho do garoto, mas como ponto de vista válido, pois fruto da preocupação genuína de alguém que se ressente da falta de perspectiva. Embora vejamos com mais carinho o incentivo da avó, também ex-artista de circo, não há muito espaço para reprovação a esse jogo duro da Dona Neide, ela que conduz a criação do filho de acordo com suas convicções, nem que para isso tenha de constantemente desagradá-lo. Os encontros com os amigos vão rareando, o circo improvisado é seriamente ameaçado, o que acarreta na tristeza de Jonas. Paula, então, se achega ainda mais do menino, dialogando abertamente com ele sobre a natureza de seu estado de espírito. Como réplica, ela é indagada a respeito do que a levou à realização do filme. Nesse instante, circo e cinema, duas artes irmãs, se sobrepõem num movimento romântico, idealista e apaixonado que empalidece a melancolia.

De documentário a propósito de uma paixão tão precoce quanto sólida, Jonas e o Circo Sem Lona se transforma num trabalho sobre os lugares e as concepções pré-estabelecidas, e como algumas pessoas não se enquadram em padrões, sendo por isso, muitas vezes, relegadas à condição de párias. A intervenção indignada da professora de Jonas é o mais incisivo e frontal entre os exemplos dessa visão viciada. A educadora se coloca terminantemente contra esta realização, segundo ela, centrada num aluno pouco esforçado, disperso e apático. Todas as falhas citadas, porém, são contraditas pela maneira incansável e essencialmente comprometida com que ele encara as tarefas relativas ao circo, ou seja, a circunstâncias estabelecem as condutas, não o contrário. A tristeza de Jonas é momentânea, assim como a do palhaço, afinal, o espetáculo tem de continuar, algo pontuado no encerramento desse belo filme com óbvia vocação a valorizar os afetos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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