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Sinopse

John Wick é forçado a deixar a aposentadoria mais uma vez por causa de uma promessa antiga e viaja para Roma. No entanto, ao cumprir o que lhe é pedido, acaba sendo traído, e se vê tendo que recorrer a velhos amigos para evitar o próprio fim.

Crítica

Keanu Reeves sempre foi um ator que dava a entender ao público não ter uma das relações mais tranquilas com as exigências e pressões de Hollywood – ele não é, nem nunca foi, um George Clooney ou um Tom Hanks, por exemplo. Ele nunca encarou tranquilamente o status de ídolo adolescente adquirido após o sucesso de Caçadores de Emoção (1991) e seu maior acerto, até hoje, deveu-se a uma questão de sorte – Will Smith, o primeiro a ser convidado, recusou a proposta de ser o protagonista da trilogia Matrix, abrindo espaço para que Reeves entrasse no seu lugar. Após o frustrante remake de O Dia em que a Terra Parou (2008) e a decepcionante estreia como diretor em O Homem do Tai Chi (2013), eis que o destino mais uma vez parece ter lhe sorrido, quando colocou as mãos no personagem John Wick, pela primeira vez levado às telas no surpreendente De Volta ao Jogo (2014). A se lamentar, no entanto, apenas que este tom acertado não tenha se mantido na sequência John Wick: Um Novo Dia para Matar, filme que repete os acertos do anterior, porém em maior escala, incorrendo insistentemente no exagero e deixando de lado qualquer possibilidade de sutileza.

Aliás, esta parece, mesmo, ser a sina de Reeves: sempre que um filme que estrela dá certo, pode-se apostar que as inevitáveis continuações irão ficar longe – ou melhor, muito aquém – do esperado. Foi assim com Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica (1989), e todo mundo sabe o que aconteceu com as sequências de Matrix (1999). E se ele foi esperto em ficar de fora de Velocidade Máxima 2 (1997), tal perspicácia não lhe ocorreu dessa vez. E muito se deve pelo fato de que ele é John Wick – substituí-lo, portanto, ainda não impossível, seria, no mínimo, improvável. Mas o que fez de De Volta ao Jogo um acerto tão certeiro? A total falta de expectativas a respeito, provavelmente. Ninguém esperava que Reeves fosse capaz de entregar um novo sucesso, ainda mais um baseado em um dos mais gastos clichês cinematográficos – o do assassino profissional já aposentado que é obrigado a voltar à ativa. Mas, assim como os planetas que se alinham perfeitamente uma vez a cada geração, assim deu certo o projeto. Porém, John Wick: Um Novo Dia Para Matar chega às telas em uma situação totalmente oposta: aposta-se muito neste segundo capítulo. E, talvez na tentativa de se manter à altura, ultrapassou-se os limites, entregando algo que, pelo excesso, acaba reduzido ao genérico que o seu anterior, tão sabiamente, soube evitar.

Chad Stahelski, que dirigiu apenas estes dois filmes da série em sua curta carreira como realizador, passou anos trabalhando como assistente de direção ou coordenador de dublês em títulos como Jogos Vorazes (2012) e Capitão América: Guerra Civil (2016), entre outros tantos. Ou seja, experiência não lhe falta. E o próprio John Wick é um personagem interessante. Capaz de provocar calafrios em seus inimigos pela simples menção de seu nome, é um assassino impiedoso e friamente detalhista, que não incorre em erros e possui uma mira pra lá de certeira. Quando ele coloca alguém em sua lista negra, apenas a morte o infeliz terá como destino. Casado e há anos afastado do estilo de vida que o havia consumido por grande parte de sua vida, ele é obrigado a partir mais uma vez para a ação após ter sua intimidade invadida. O motivo inusitado – a morte de seu cachorro de estimação – oferecia um charme a mais a uma trama que conseguia habilmente prender a atenção do espectador ao desvendar um universo tão absurdo quanto hipnotizante: um hotel de segurança máxima apenas para bandidos, leis válidas apenas nesse submundo e uma hierarquia de poderes impossíveis de serem desrespeitadas. Isso tudo está de volta em Um Novo Dia para Matar. Qual a novidade, portanto? A falta de originalidade, infelizmente.

John Wick, dessa vez, não precisa se preparar: ele já está pronto. E quem o obriga a usar mais uma vez suas habilidades é um mafioso italiano (Riccardo Scamarcio), que surge cobrando uma dívida de sangue: ele quer que Wick mate sua própria irmã para que, assim, possa ser alçado nos negócios familiares à condição de chefão absoluto. Tarefa solicitada é missão cumprida, ainda que a contragosto. O problema é que cada ato neste sentido desencadeia uma série de outros pormenores – não só os seguranças da vítima passam a persegui-lo, como também aquele que o contratou, que precisa justificar publicamente uma falsa tentativa de vingança. Neste ínterim, somos colocados a par de outros níveis da organização criminosa pelo mundo – na Itália, ninguém melhor do que Franco Nero para ser seu rosto mais confiável – e suas repercussões nos Estados Unidos. É uma técnica recorrente em produções similares: aumenta-se exponencialmente a ação, ainda que, diante uma análise mais crítica, a mesma não resista a um escrutínio detalhado. Keanu Reeves se esforça, mesmo com mais de 50 anos de idade, para mostrar uma vitalidade e um vigor que causariam inveja a Brad Pitt e Tom Cruise, por exemplo. O que lhe falta, no entanto, é um argumento que justifique tantas peripécias em vão.

John Wick: Um Novo Dia para Matar é um filme divertido de se ver. As cenas são bem construídas, as lutas são elaboradas e o vai e vem da trama é dinâmico o suficiente para manter até os mais distraídos atentos. É tudo tão preciso, no entanto, que lhe falta justamente aquele gosto do imprevisto e improvável que tão bem caracterizou seu antecessor. Imbatível, ninguém teme pelo que poderá acontecer com o protagonista – afinal, sabe-se de antemão que, no final, tudo lhe dará certo. Assim como num balé executado mecanicamente em que tudo é perfeito, falta-lhe a paixão que poderia elevá-lo do lugar comum típico do gênero. Curiosos pouco exigentes e novatos acostumados a abraçar qualquer curva fora do eixo sem muitos questionamentos deverão se deixar levar pelo carisma e energia de John Wick. Mas aqueles que já o conhecem e estão a par do seu potencial merecem – e devem – exigir um passo além. Afinal, como se sabe, ele não só voltou ao jogo, mas moldou-o de acordo com os seus critérios. E é por isso que precisa estar adiante, e não lado a lado com aqueles habituados apenas a replicar, sem nunca correr o risco da ousadia que faz toda a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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