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Sinopse

Quando um casamento de décadas acaba, as três filhas dessa família burguesa evidenciam a crise instaurada. Praticamente desconhecidas umas das outras, elas escondem seus medos e vontades.

Crítica

Depois da consagração de Woody Allen no Oscar, em 1978, com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, ninguém poderia prever qual seria o próximo passo do cineasta. Interiores é uma novidade na carreira do diretor, que resolveu sair de sua zona de conforto e entregar um trabalho cujas risadas passariam longe. Novamente contando com Diane Keaton no elenco e, pela primeira vez, sem aparecer em frente às câmeras, Woody Allen se revela um diretor igualmente talentoso ao comandar uma história dramática. Muitos podem ter torcido o nariz à época. Mas hoje, é impossível não notar qualidades bastante destacáveis no trabalho do cineasta.

O roteiro é assinado por Allen e conta a história de uma família e seus aparentemente insolúveis problemas. Arthur (E.G. Marshall) resolve deixar sua esposa, Eve (Geraldine Page), depois de trinta anos de casamento, para tentar aproveitar um pouco da liberdade que tanto lhe falta. Eve é uma mulher doente e não encara nada bem esta “separação provisória”, como seu marido intitula. O casal tem três filhas que, à sua maneira, tentam ajudar a mãe neste momento difícil: Renata (Keaton), uma bem sucedida escritora, casada com o fracassado escritor Frederick (Richard Jordan), dá esperanças para sua mãe que o casamento poderá ser salvo, tentando assim aliviar a tensão; Já Joey (Mary Beth Hurt) prefere ser mais realista, não alimentando expectativas falsas. Ela própria tem problemas, pois nunca conseguiu deslanchar em nenhuma profissão, sentindo-se apequenada ao lado das irmãs; Flyn (Kristin Griffith) é a estrela da família. Atriz, sempre em viagens, não tem muito tempo para os pais, mas não deixa de participar em momentos-chave da família. Quando Arthur aparece com uma nova namorada, Pearl (Maureen Stapleton), as irmãs não têm como prever qual será o baque em sua frágil mãe.

Construindo um longa-metragem totalmente pé no chão, Woody Allen abandona toda e qualquer trilha sonora incidental, utilizando-se do silêncio para criar uma atmosfera solitária e triste para seus personagens. O único momento em que ouvimos músicas em Interiores é quando um casal está festejando sua união – estes sim, totalmente conectados um com o outro. Mesmo Renata e Joey, que possuem maridos e um esboço de família, parecem totalmente sozinhas em seus mundos. Por isso, não é nada difícil adivinha o porquê do título Interiores. Eve trabalha como decoradora e esta poderia ser o motivo mais simples. A realidade é diferente, no entanto. O filme tenta a todo momento penetrar no interior de seus personagens, criando um mosaico de sentimentos, perturbações e depressões nunca antes vistos na carreira de Woody Allen.

Com um elenco formidável, Allen tem como grande trunfo as performances inesquecíveis de Geraldine Page e Maureen Stapleton, indicadas ao Oscar naquele ano. As duas são antíteses uma da outra. Eve é frágil, sonhadora e completamente desligada do mundo real. Page esta assustadoramente convincente no papel, tendo momentos de puro brilhantismo. Reparem na cena em que ela é abandonada pelo marido, ou em suas conversas com as filhas, sempre tentando mostrar uma evolução em seu estado que, na verdade, não existe. Já Stapleton vive a espevitada e cheia de vida Pearl. Uma mulher que destoa da família de Arthur claramente pela sua falta de cultura, mas que agrega um colorido especial aos ambientes que ocupa. Seu jeito decidido de falar e sua alegria de viver contagiam Arthur, que passou por tempos sombrios com sua ex-esposa devido a sua doença.

É determinante notar que Woody Allen não toma partido de nenhum personagem. Não existem vilões, não existem heróis. Arthur viveu 30 anos com Eve e pensa merecer uma vida nova. Ele está errado? Ele está certo? O mesmo podemos perguntar sobre as atitudes de Renata e Joey. Quem está agindo corretamente com a mãe? A filha que lhe diz as verdades desagradáveis ou a que lhe encoraja com esperanças, mesmo que possam ser infundadas? São perguntas difíceis e o longa-metragem não dá respostas fáceis. Isso é o que Interiores tem de melhor.

Utilizando cores frias para compor seus cenários e a total falta de música para criar uma atmosfera ainda mais gélida, Woody Allen destitui seu longa-metragem de qualquer sinal de humor. Isso até pode ser um problema, visto que até as histórias mais duras possuem uma válvula de escape aqui e ali para fazer o espectador respirar. Não Interiores. O drama é construído aos poucos – e de forma não linear – até que culmine em um desfecho trágico, mas nada surpreendente dada as cartas colocadas na mesa até então. O longa-metragem pode ter surpreendido os fãs de Woody Allen na época, que abraçava as referências ao cinema de Ingmar Bergman, mas visto em retrospecto, é um trabalho consistente e relevante na carreira do cineasta. A resposta morna da crítica e público em 1977 deve ter feito Woody Allen retornar ao seu métier, visto que na sequencia entregou outra comédia – das mais deliciosas, intitulada Manhattan (1979).

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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