Crítica

Gus Van Sant é um cineasta cheio de altos e baixos. O bom dele, no entanto, é que se seus “altos” são muito bons, os seus “baixos” são melhores ainda! Claro que nem tudo é perfeito – afinal, ele é o responsável pelo infame remake de Psicose (1998) – mas seu nível de acertos é bastante impressionante. E se para cada Milk: A Voz da Igualdade (2008) ou Gênio Indomável (1997), suas duas indicações ao Oscar, como Filme e Direção, temos também obras infinitamente menores, mas igualmente surpreendentes, como esse Inquietos, um retrato sobre o amor e a morte que encanta, comove e emociona como poucos outros recentes.

Inquietos possui praticamente dois atores, os protagonistas Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas, 2010, e Minhas Mães e Meu Pai, 2010) e Henry Hooper (filho de Dennis Hooper, aqui estreando na tela grande). Os dois são adolescentes enfrentando momentos muito difíceis em suas vidas. Ele é um garoto que vive com uma tia distante após a morte dos pais num acidente de trânsito. Ela é uma menina que sobrevive com um câncer que lhe garante apenas poucos meses de vida. O que os une é o hábito desenvolvido por ele após a tragédia familiar de visitar funerais aleatórios, de pessoas com as quais não possui a menor relação, apenas pela atração que a morte lhe exerce. O encontro acontece durante o velório de um conhecido dela, outro paciente da ala médica do hospital em que se trata. E se à princípio os dois omitem as verdadeiras razões que os levaram até o cemitério, aos poucos as vergonhas desaparecem e as verdades surgem, aumentando com ainda mais força o desejo entre os dois. Um vê no outro sua cara metade, porém essa união possui um tempo limitado, e a separação, por mais que sabida seja, nunca é fácil.

A história desenvolvida pelo novato Jason Lew é emocionante e sensível na medida certa, sem apelar para sentimentalismos baratos ou recursos desonestos para forçar reações no público. A trilha sonora é discreta, a edição é tranquila e nada parece ser forçado. Tudo é feito de forma tão delicada que assumimos a rotina do jovem casal com a mesma naturalidade que existe entre os dois, e quando a tristeza surge, por mais anunciada que tenha sido antes, somos pegos desprevenidos, num misto de choque e indignação. Para isso também conta os excelentes trabalhos apresentados por Wasikowska, que a cada novo filme cresce ainda mais como intérprete, e Hooper, cujo talento parece estar prestes a entrar em ebulição a qualquer momento, numa semelhança assustadora com o próprio pai.

Mas isso tudo de nada adiantaria se não fosse a mão habilidosa de Van Sant, que faz desse pequeno e nada pretensioso conto uma história de entrega, redenção e muita melancolia. Inquietos encontra eco em várias outras obras do realizador, como Garotos de Programa (1991), Elefante (2003) e Paranoid Park (2007), todos com um enfoque muito preciso numa adolescência aparentemente sem rumos ou ânimos. Mas esse novo filme se destaca principalmente por acrescentar esperança a essa visão, mesmo que no cenário mais desanimador possível. Seria um indício de que o diretor estaria começando a ver as coisas de uma forma mais positiva? Independente de qualquer outra análise, não deixa de ser um bom sinal.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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