Crítica

Baseada num livro do escritor norte-americano Philip Roth, a trama de Indignação expõe as regras sociais dominantes nos Estados Unidos dos anos 1950, época que antecedeu a erupção da contracultura e de seus ideais de liberdade. O protagonista do filme é Marcus (Logan Lerman), secundarista brilhante, prestes a sair de casa para cursar a faculdade de direito. Seu pai, Max (Danny Burstein), expressa preocupação com a mudança, muito em virtude do clima conturbado por conta das várias mortes de conhecidos na Guerra da Coreia. Esse homem calejado pelas coisas da vida tenta a todo custo proteger o filho único dos males que podem atingi-lo. Uma vez no ambiente acadêmico, tudo parece correr mais ou menos de maneira ordinária neste drama, com a ambientação do jovem numa realidade pretensamente nova e desafiadora, isso até o primeiro encontro dele com a bela Olívia (Sarah Gadon) tomar um rumo inesperado, cuja resultante mais significativa é a constatação do moralismo igualmente ali vigente.

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O cineasta James Schamus evita tachar os personagens ou colocá-los em lugares delimitadores, investindo boa parte de seus esforços no desenho das idiossincrasias. Marcus se mostra escandalizado diante das atitudes da menina desejada desde o rápido vislumbre na biblioteca, reflexo das preconcepções que então davam em classificações de acordo com a conduta sexual. Assim, sem perceber, ele se deixa levar pela ignorância do meio em que foi criado. Indignação transcorre na cadência das descobertas desse garoto. Ele "cresce" substancialmente à medida que entende suas limitações na seara da inteligência emocional. Capaz de enfrentar o reitor da universidade, de citar Bertrand Russell para defender seu ateísmo estranho não apenas à instituição de ensino, mas também ao próprio tempo em que vive, ele é incapaz de passar inicialmente por cima de preconceitos advindos da tirania das heranças familiares e sociais.

Nesse aparente contrassenso, já que Marcus possui ideias progressistas, em tese, ao menos responsáveis por ferir a tradição que ainda lhe oprime, reside uma das principais forças dessa história que oscila constantemente entre a conciliação e a melancolia. Schamus cria um filme visualmente sóbrio, que não apela demasiado a facilidades, privilegiando os personagens e os componentes bastante particulares que impedem a realização plena dos desejos. Logan Lerman compõe com precisão o protagonista que se encontra exatamente num momento histórico anterior a uma das mais marcantes revoluções comportamentais da América. Mesmo que pense para frente, que não hesite em externar suas controversas visões de mundo, ele sofre pela impossibilidade de desvencilhar-se de tudo o que o antecedeu, algo evidenciado na relação conflituosa com o pai, este símbolo do ultrapassado, mas muito importante, tanto que ganha misericórdia filial quando prestes a ser abandonado.

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A presença significativa de Olivia desencadeia os questionamentos mais determinantes de Indignação. É sua ousadia que deflagra a contradição de Marcus. Trata, em semelhante medida e valor, de apresentar-lhe o amor, via por meio da qual ele se reavalia. Longe de permitir redenções simplificadas, James Schamus propõe uma aproximação mais minuciosa das estruturas das pessoas em cena, de suas personalidades, evitando dar espaço a julgamentos morais ou algo que os valha. Alguns resvalos sentimentalistas reduzem o ocasionalmente a força do trajeto de autoconhecimento e amadurecimento, mas nada que comprometa drasticamente o alcance deste longa-metragem. Schamus situa as peças num contexto histórico específico, sem alardear que com isso tenciona partir do micro ao macro, fazendo da experiência única de Marcus uma imagem representativa daqueles tempos de transição.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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