I Am Bonnie

16 ANOS 45 minutos
Direção:
Título original: I Am Bonnie
Ano:
País de origem: Índia

Crítica

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Sinopse

Bonnie é uma pessoa intersexo que precisa fugir após "falhar" num teste antes de um jogo de futebol. Conhecida nas redondezas como mulher, Bonnie é perseguida pela comunidade que acaba se revelando absurdamente exploradora.

Crítica

É provável que de todas as questões relacionadas ao sexo e à identidade de gênero, a mais tabu seja o hermafroditismo. E isso se deve à necessidade inata do ser humano de buscar definições, ajustar conceitos e almejar conclusões. Afinal, há muito tempo o código binário entre homem ou mulher já foi superado, porém sempre mantendo este porém entre cada situação: o “ou”. Ou se é uma coisa, ou se é outra. Mas nunca as duas. E o hermafrodita é justamente isso: ambos, e ao mesmo tempo. Essa contradição genética – que, no entanto, não só é possível como também recorrente – é tema do documentário I Am Bonnie, importante relato vindo da Índia, porém atemporal e isento de conjeturas geográficas: a denúncia que carrega, é o que tristemente percebemos, identifica uma situação que poderia se passar facilmente em qualquer canto deste mundo cada vez mais intolerante e abusivo.

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Bonnie, na época das filmagens – a produção é de 2014 – é um jovem atleta que treina jogadores de futebol e leva uma feliz vida de casado. Ou ao menos assim deveria ser, caso aqueles ao seu redor se importassem mais em respeitar do que exercer seus julgamentos conservadores e retrógrados. Nascida hermafrodita em uma família tradicional, humilde e fortemente religiosa, sua condição era negada pelos pais, que sempre a trataram como menina – seu nome de batismo é Bandana. Segundo seu relato, isso nunca foi um problema consciente, tanto que cresceu como seus irmãos e amigos sem maiores dilemas. Na adolescência, entrou para o time de futebol feminino, e logo se mostrou uma revelação em campo, tanto que acabou jogando na seleção nacional. Porém, durante um ‘teste de sexo’ de rotina entre colegas, ela termina por ser ‘reprovada’ – ou seja, sua condição é revelada. E assim como a Caixa de Pandora, uma vez que a verdade vem à tona – inclusive para ela própria – não mais é viável voltar atrás.

Bandana se torna Bonnie, é uma das primeiras pessoas a se sujeitar a uma cirurgia de redesignação sexual na Índia e, ao conhecer Swati, os dois se apaixonam e decidem se casar. O que seria um assunto íntimo a ser tratado entre os dois, no máximo entre ela/ele e sua família, se torna um tema de debate nacional por sua exposição esportiva. Com tanta atenção, seus irmãos se colocam radicalmente contrários à Bonnie – para eles, existe apenas Bandana, independente dela não mais existir. A mãe, já viúva, praticamente não tem voz, e é a que mais sofre, presa entre o obscurantismo religioso a qual foi submetida por toda uma vida e o instinto materno que chora por não ver a felicidade do(s) filho(s). Mas o pior vem da sociedade: Bonnie passa a ser explorado por vizinhos e também na profissão, como se estes estivessem lhe fazendo uma favor ao tolerar sua presença entre eles. Agarram-se à questões técnicas e burocráticas para não serem justos com ele, não lhe pagar o que lhe é devido nem lhe oferecer as condições justas de sobrevivência. E de conflito em conflito, tudo que lhe resta, ao lado da esposa, é seguir fugindo.

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Ainda que estejam estreando como realizadores, Sourabh Kanti Datta e Farha Khatun não são novatos no meio cinematográfico, pois já haviam trabalhado em outras produções, seja como diretor de fotografia ou como montadora. Os dois fazem uso dessa experiência prévia para fazer de I Am Bonnie um filme preocupado acima de tudo com seu discurso, e menos com a forma de levá-lo à tela. Eles acompanham o protagonista em sua rotina, não evitam momentos mais tensos – o reencontro com a família dele é o mais problemático, chegando aos limites do mau gosto por explorar uma situação muito à flor da pele – e deixam a câmera rolar, registrando depoimentos e desabafos dos envolvidos. É um documentário tradicional, que incomoda pela pouca duração – são meros 48 minutos – decidindo encerrar seu olhar justamente no meio da narrativa. Ansiamos por mais, no envolvemos com Bonnie e torcemos por ele. Mas nem toda resposta é fácil – ou mesmo possível. E é neste corte abrupto que o filme mostra sua maior coragem: deixando em suspenso, evidencia o quanto somos parte deste quadro, incitando à reflexão e compartilhando responsabilidades.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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