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Sinopse

Um professor de filosofia acredita ter encontrado um novo propósito de vida. Ele começa a se relacionar com uma bela e inspirada estudante no campus da cidade pequena onde leciona.

Crítica

Quem conhece os trabalhos de Woody Allen sabe que existem assuntos caros ao cineasta que, volta e meia, retornam à sua pauta. Em Homem Irracional, o flerte com o suspense de Alfred Hitchcock já trabalhado em Um Misterioso Assassinato em Manhattan (1993) dá as caras; as discussões filosóficas a respeito da moralidade, da sorte e do acaso, como já vimos desde A Última Noite de Bóris Grushenko (1975), passando por Crimes e Pecados (1989) e culminando em Match Point: Ponto Final (2005); e a eterna admiração de uma jovem e inteligente mulher por um homem calejado, mais velho, como assistimos em Manhattan (1979), Hannah e Suas Irmãs (1986), Maridos e Esposas (1992) e, muito recentemente, em Magia ao Luar (2014). Isso significa que o cineasta que beira os 80 anos está se repetindo? Sim e não. Como já citado, é notório que alguns pontos já foram trabalhados anteriormente. Mas o cineasta sempre tem um coelho na cartola (ele que adora mágica), entregando um misto de antigas referências com algo novo, enérgico, cheio de alma. Dito isso, Homem Irracional é Woody Allen na enésima potência, com toda a inteligência que podemos esperar de seus diálogos, com toda a autoralidade que sempre pedimos do diretor nova-iorquino.

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Na trama, conhecemos o professor de filosofia Abe Lucas (Joaquin Phoenix) no momento em que está a caminho da universidade Braylin, onde passará a lecionar. Sua chegada é cercada de expectativa. Abe tem fama de mulherengo e de ser um sujeito bastante intenso, algo que interessa à professora Rita (Parker Posey), presa em um casamento pouco excitante. A aluna Jill (Emma Stone) também se interessa por aquela alma aparentemente sofrida e sábia, colocando em risco seu namoro com o almofadinha Roy (Jamie Blackley). Apesar da fama, Abe não vive um bom momento na vida. Completamente desgostoso com sua existência, não encontrando sentido algum para continuar, ele é uma casca sem conteúdo algum. Um homem perdido, sem caminho. Isso muda quando ele ouve uma conversa em um restaurante que o transforma totalmente. Ele entende qual seu propósito na vida e ganha uma segunda chance. Nem que para isso, suas escolhas sejam moralmente questionáveis e as consequências terrivelmente definitivas. Entrar em mais detalhes sobre a trama seria revelar surpresas que são mais interessantes ao serem descobertas durante o filme.

A economia de Woody Allen em Homem Irracional pode impressionar até espectadores acostumados com a obra do cineasta. São pouquíssimos personagens e todos eles atendem a um importante papel na trama. Mesmo Roy, o namorado que poderia servir mais como empecilho para o relacionamento entre Abe e Jill, tem certa relevância, ainda que menor do que os demais. A economia também se mostra na trama. Subtramas que poderiam apenas ocupar espaço da história principal simplesmente inexistem. Tudo que vemos no filme está lá por um propósito. Até as conversas mais triviais acabam por revelar algum elemento que será utilizado no futuro. A boa notícia disso tudo é que Allen parece ter tomado mais tempo na revisão de seu texto para este trabalho. Diferente de Magia ao Luar, que possuía rebarbas e diálogos puramente expositivos, Homem Irracional é melhor amarrado, não incorrendo nos mesmos deslizes.

Depois de ter estrelado de forma adorável Magia ao Luar, Emma Stone retoma a parceria com Woody Allen, tornando-se uma nova musa. Por ter recebido um papel mais bem desenhado, a atriz mostra evolução de um longa-metragem para o outro. Em determinados momentos, inclusive, lembra outra das inesquecíveis parceiras do cineasta: Diane Keaton. Talvez por conseguir entregar um texto inteligente da mesma forma natural que a veterana atriz, esta comparação não soe nada absurda. Pode incomodar um pouco a submissão daquela jovem garota aquele homem mais velho de início. Isso, no entanto, muda assim que ela descobre algumas verdades a respeito de Abe Lucas. Se Stone parece emular em alguns momentos Diane Keaton, Joaquin Phoenix de forma alguma faz o mesmo com Woody Allen. Abe Lucas poderia seria interpretado pelo cineasta se o filme fosse realizado nos anos de 1970 ou 1980 - e caso ele se sentisse seguro a viver as duas facetas daquele professor. Nem por isso Phoenix emula os trejeitos do cineasta, como fizeram anteriormente diversos atores – John Cusack talvez tenha sido mais bem sucedido neste quesito ao estrelar Tiros na Broadway (1994).

Em Homem Irracional, Phoenix vive dois momentos bastante distintos de Abe Lucas e é brilhante em pontuá-los de forma tão distinta. No primeiro, sem vontade de viver, sua expressão facial é cansada, mal conseguindo pronunciar as palavras que precisa trocar com os estudantes ou com seus colegas. Apresentando uma proeminente barriga e de ombros curvados, Abe não vê qualquer sentido em vaidades, em postura. Ele está apenas indo com a maré, sem objetivos. Nem consegue dar conta de qualquer desejo sexual, algo que o frustra de certa forma, mas que também não trabalha para consertar. Quando ele descobre o seu propósito de vida, um objetivo para continuar seguindo, sua existência se transforma. Seus desejos retornam, suas neuras diminuem e ele ganha uma chance de buscar algo que lhe importa. É assim que os relacionamentos com Rita e com Jill engrenam. Mas existe um segredo que todos saberão, mais cedo ou mais tarde. Segredo esse que a personagem de Parker Posey ajuda a solucionar, em uma atuação competente de atriz, que vive uma mulher que tenta desesperadamente esconder sua tristeza, caindo nos braços de seu novo colega de universidade.

Woody Allen faz uma mistura bem sacada de comédia, com uma pitada de drama existencialista e um passeio pelo suspense. Referências óbvias a Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchcock, e ao romance Crime e Castigo, de Dostoievsky, estão presentes e o cineasta brinca com as expectativas do público, surpreendendo com um desfecho que tem muito do acaso e da sorte que são tão caros ao cineasta. Em Homem Irracional, como de praxe, o diretor utiliza de suas trilhas de jazz clássicos para embalar a trama. Em vez de misturar diversas canções, Allen escolhe uma música executada pelo Ramsey Lewis Trio, “In the Crowd”, como tema para o longa-metragem, utilizando-a em diversos momentos da trama. Não estranhe caso se pegue assoviando o tema ao término da sessão. Ela fecha completamente com o clima do filme. Outro ponto que é sempre esperado são as referências filosóficas no texto de Allen. Como temos um professor de filosofia na trama, espere por citações a Sartre, Kierkegaard, Kant e Heidegger. Todas as ideias tomadas emprestadas destes mestres funcionam para revelar algum ponto da trama ou da personalidade destas figuras tão curiosas criadas por Woody Allen.

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Trabalhando novamente com o competente diretor de fotografia Darius Khondji e retornando aos Estados Unidos depois de ter visitado a Riviera Francesa em Magia ao Luar, Woody Allen entrega mais um belo trabalho. Mais redondo que o anterior, menos intenso que Blue Jasmine (2013), mas ainda assim um filme relevante e, mesmo que retome temáticas trabalhadas antes, ainda consegue um verniz de novidade e surpresa que são louváveis.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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