Crítica

Baseado no best seller Um Holograma para o Rei, de Dave Eggers, a comédia dramática Negócio das Arábias receberia inicialmente no Brasil o mesmo título do livro – que, aliás, é também o nome original do filme em inglês. Porém, após a estreia decepcionante nos Estados Unidos, no último mês de abril – é a menor bilheteria de um filme estrelado por Tom Hanks desde É Preciso Dizer Adeus (1986), há exatos 30 anos – a distribuidora nacional não apenas decidiu alterar o batismo como também adiou em mais de três meses o seu lançamento por aqui, talvez em uma tentativa de dissociá-lo de sua fonte original. Um pena, pois o romance literário não apenas contém elementos suficientes para despertar a atenção de qualquer espectador mais curioso, como o protagonista também entrega mais uma grande atuação, assim como nos recentes, e igualmente subestimados, Ponte dos Espiões (2015), Walt nos Bastidores de Mary Poppins (2013) e Capitão Phillips (2013).

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Após ganhar dois Oscars consecutivos – por Filadélfia (1993) e por Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) – Hanks parece ter adquirido o status de hors concours junto à Academia de Hollywood, como se já tivesse entregue o seu melhor e, a partir de então, nada mais merecesse ser considerado. Engana-se quem pensa assim, no entanto. Seus últimos trabalhos, muitos badalados em premiações e indicações, volta e meia apresentam essa singularidade em comum: o descaso em relação ao desempenho do ator. O que ele fez em Capitão Phillips, por exemplo, não só merecia ter sido lembrado no Oscar, como certamente deveria ter lhe valido uma terceira estatueta. E a sina se repete, agora em tom mais leve. Em Negócio das Arábias, ele é hábil o suficiente para remeter seus fãs mais longevos ao seu passado como comediante, ao mesmo tempo em que insere uma carga dramática sensível a um personagem que teria tudo para ser digno de pena, porém mantém sua honra mesmo diante das mais adversas situações.

Dessa vez, Hanks dá vida à Alan, um vendedor que, após uma série de más decisões, encontra-se no momento mais baixo de sua trajetória. Abandonado pela esposa – que o culpa por todas as suas desgraças – e desprezado pelo pai – que o acusa de cegueira empresarial e ganância – ele conta apenas com o apoio da filha, ainda que não tenha condições de mandá-la para a faculdade, obrigando a garota a trabalhar como garçonete. Diante deste cenário, se vê tendo que aceitar a última oportunidade que lhe é oferecida: uma ida à Arábia Saudita para vender ao rei a ideia de que sua empresa é a melhor opção para a construção de um mega-complexo urbano no meio do deserto, incluindo as estruturas para uma universidade, escolas, hospitais, prédios residenciais e centros comerciais. Só que, assim que chega ao outro lado do mundo, percebe que toda a experiência que possui para essa função de nada lhe adiantará neste novo contexto.

Depois de um início hipnotizante, com Hanks fazendo o rap de David Byrne na canção Once in a Lifetime, Negócio das Arábias vai diminuindo seu ritmo, até entrarmos em sintonia com a batida que move o protagonista. Constantemente cansado e sofrendo de jet lag, ele está sempre acordando atrasado e toda cadeira em que se senta desaba. Falta-lhe chão, nada é segura e todas as suas certezas estão sendo colocadas em dúvida. A equipe a seu dispor para organizar a apresentação sobre com o fraco sinal de wi-fi, com a falta de comida e com a ausência de ar condicionado. Ele tenta encontrar soluções, mas só bate em portas fechadas e em respostas vagas. Uma consultora dinamarquesa parece disposta a ajudá-lo, um contato local se compromete em remediar sua situação, mas nada parece adiantar. Até que um cisto surge, literalmente, em suas costas, obrigando-o a procurar um médico. Um decisão que poderá, enfim, dar um rumo a sua vida.

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Alan é um homem que precisou viajar meio mundo para encontrar a si mesmo. Não são as dívidas financeiras, a pressão do emprego, os desgastados laços familiares e nem mesmo as oportunidades falsas que surgem em seu caminho que lhe ajudarão nesse processo – afinal, o que ele precisa está dentro de si, e não no exterior. Quando se abrir para essa verdade, talvez todo o demais que parece estar emperrado passe, então, a se mover. Negócio das Arábias não é um filme de final feliz convencional, mas oferece uma conclusão muito mais satisfatória e, por que não, inesperada. Tem-se aqui uma história estranha, e no melhor sentido da expressão. Afinal, por vezes é bom não corresponder às expectativas e ir além do esperado. O diretor alemão Tom Tykwer já havia feito isso no surpreendente Corra Lola Corra (1998), e agora repete esse resultado, porém com menos a dispor e com mais a oferecer.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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