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Sinopse

Heleno de Freitas se tornou um dos grandes nomes do futebol brasileiro. Sua atitude irascível e boêmia, no entanto, se provou um empecilho e determinou uma curva descendente que o levou a passar seus últimos dias num sanatório.

Crítica

José Henrique Fonseca estreou no mundo cinematográfico cheio de pompa, criando ao lado dos amigos Andrucha Waddington e Claudio Torres a Conspiração Filmes, no início dos anos 2000. No entanto, enquanto os colegas conquistavam o respeito da crítica e do público com filmes como Eu Tu Eles (2000) e Casa de Areia (2005), ambos de Andrucha, e A Mulher Invisível (2009) e O Homem do Futuro (2011), os dois de Torres, o currículo de Fonseca seguia apresentando um único trabalho, o autoral e subestimado O Homem do Ano (2003). Faltava um título que explorasse melhor seu potencial, que atraísse com mais efeito o espectador e que atendesse às expectativas levantadas há uma década. Pois bem, não falta mais. Agora temos Heleno, uma obra madura, dona de um viés autoral que, ainda assim, consegue se comunicar com a audiência com efeito. Um trabalho não isento de falhas, mas ainda assim muito acima da média nacional recente.

Heleno narra a trajetória bastante singular de Heleno de Freitas, jogador de futebol do Botafogo dos anos 1940 que entrou para a história tanto pelos feitos inacreditáveis em campo como pelos absurdos cometidos em sua vida pessoal. Heleno jogava como poucos, porém se comportava de modo terrível com a imprensa, com os demais jogadores, com os dirigentes do clube e com as mulheres que passaram por sua vida. Foi o primeiro jogador brasileiro a ser negociado com um time do exterior – foi vendido para o Boca Juniors, da Argentina, por um valor astronômico, mas também porque não aguentavam mais seu estrelismo. Foi casado uma única vez, mas traía a esposa regularmente. Teve apenas um filho, um menino que infelizmente mal chegou a conhecer o pai – viciado em lança-perfume, Heleno faleceu pobre e esquecido antes de completar 40 anos.

Fotografado num belíssimo preto e branco (cortesia do mestre Walter Carvalho) e com uma delicada e envolvente trilha sonora (obra de Felipe Pinaud, de As Melhores Coisas do Mundo, 2010), Heleno tem como ponto mais forte o seu protagonista, num desempenho fenomenal de Rodrigo Santoro. Mesmo quando o filme é ruim (como Reis e Ratos, 2012), Santoro consegue se destacar. Agora, quando o trabalho é bom, sua participação chega a ser ainda mais impressionante. Ele vive Heleno do luxo ao lixo, do glamour e auge da forma física à decadência psíquica e emocional, entregue ao vício e já desequilibrado. Seu olhar é um dos mais intensos do cinema brasileiro, e cada gesto parece ser estudado milimetricamente. Sua postura é outra, do início ao fim do filme: ele não interpreta o personagem, e sim o vive, por inteiro. O que faz aqui é digno de um Oscar, numa das atuações mais destacadas de sua carreira.

Mas Heleno é, acima de tudo, uma vitória de José Henrique Fonseca. Filho do renomado escritor Rubem Fonseca e casado com a atriz Claudia Abreu, com esta obra ele pode, finalmente, se declarar um homem de cinema. Os méritos são muito mais técnicos, mas ainda assim formam um conjunto e tanto. Talvez a vida de Heleno de Freitas pudesse ter sido adaptada para a tela grande de forma mais heroica, criando uma maior simpatia com o público. Mas isso seria, também, um artifício clichê e por demais simplista. Nos mantemos distantes, como observadores incapazes de alterar o rumo das coisas, por mais que a tragédia seja anunciada. Mas tiramos a lição, o aprendizado e o exemplo. Santoro, Fonseca e o time de colaboradores aqui reunidos entregam um filme digno de muitos aplausos, que faz jus ao esporte nacional e, acima de tudo, a um cinema com a nossa cara: doloroso, mas absurdamente belo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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