Hedwig: Rock, Amor e Traição
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Sinopse
Hansel é um jovem que mora em Berlim Ocidental e que sonha em se tornar uma grande estrela do rock nos Estados Unidos. Até que ele conhece um belo americano que lhe promete amor e liberdade e que pode fazer com que todos os seus sonhos se tornem reais. Mas para ir para os Estados Unidos juntamente com ele Hansel precisará fazer uma operação de mudança de sexo, pois somente assim com ele poderá se casar. Assim nasce Hedwig (John Cameron Mitchell), que chega a Kansas no mesmo dia em que o Muro de Berlim é derrubado. Preparando-se para dar início à sua carreira, Hedwig utiliza pesada maquiagem, uma peruca a la Farrah Fawcett e forma sua própria banda, chamada The Angry Inch. Porém, Hedwig logo se apaixona por um garoto de 16 anos chamado Tommy Gnosis (Michael Pitt) que acaba lhe dando um golpe e roubando suas canções, tornando-se assim a estrela do rock que Hedwig sempre sonhou ser. Recusando-se a ser derrotada, Hedwig começa então a cantar juntamente com sua banda em restaurantes e bares, buscando o reconhecimento por seu trabalho.
Crítica
Hansel nasceu na Alemanha no mesmo dia em que o Muro de Berlim dividiu o país em dois. Vivendo no lado ocidental, sua infância foi permeada por abusos dos homens que transitavam em sua casa e pelo convívio com uma mãe omissa, que comparava Jesus Cristo à Hitler. Suas únicas influências externas surgiram do rádio, quando cantores como Iggy Pop, David Bowie e Lou Reed criaram um imaginário de glamour e rock em sua limitada existência. A situação se altera com a chegada de um oficial do exército norte-americano, que o promete uma vida melhor em um longínquo lugar chamado Junction City, no Kansas. A única condição que o separa do sonho americano é uma cirurgia para mudança de sexo – que, depois de feita, infelizmente não sai como deveria.
Assim nasce Hedwig, cantora que sintetiza o que foi o movimento glam rock com seu figurino e maquiagem extravagantes e músicas incrivelmente viscerais. John Cameron Mitchell, que escreveu e protagonizou o musical off-broadway Hedwig and the Angry Inch em 1998, fez sua estreia na direção de longas com a adaptação do material para a tela grande. No papel-título novamente, Mitchell foi indicado ao Globo de Ouro, venceu o Teddy do Festival de Berlim, duas láureas no Festival de Sundance e mais de 20 outros prêmios. Além de seguir em cartaz com montagens ao redor do mundo, da Grécia à Coréia do Sul, Hedwid: Rock, Amor e Traição atingiu o status de filme cult, envolto numa mítica que o coloca no panteão de musicais transgressores, como Rocky Horror Picture Show (1975) e Priscilla, a Rainha do Deserto (1994).
Stephen Trask é o nome por trás da extasiante trilha sonora de Hedwig: Rock Amor e Traição, que pontua o clima ousado do filme na voz marcante de John Cameron Mitchell. Canções como Tear Me Down, Angry Inch e Wig in a Box podem ser ouvidas à exaustão depois da experiência ímpar propiciada pelo filme, enquanto Origin of Love e Wicked Little Town marcam momentos mais introspectivos do musical, que explicitam a faceta romântica de Hedwig e o letrista brilhante em Trask. A inserção dos números sonoros na narrativa – problema em incontáveis filmes do gênero – é feliz ao imprimir um ritmo fluído para o filme, fugindo de uma linguagem episódica. As sequências animadas de Emily Hubley, muito originais, contribuem para equilibrar o lirismo visual ao virtuoso som da obra de Mitchell.
As questões de gênero, sexualidade e identidade são centrais em Hedwig: Rock Amor e Traição. Hedwig, após sua mutação sexual, se transforma num híbrido que funciona como caricatura de si mesmo sem deixar de ser crível. O guitarrista e backing vocal da banda Angry Inch, em outro exemplo, é uma mulher oculta numa figura masculina que dificilmente poderia ser questionada como tal. Independente da aparência externa de cada um, ambos são frágeis criaturas procurando um lugar para ocupar – dentro de si mesmas ou de um mundo que lhes é cruel. O filme explora os complexos temas com naturalismo elogiável, feito que Mitchell viria a reiterar no polêmico Shortbus (2006) – desta vez com menos música e mais sexo explícito.
O fechamento da jornada existencial de Hedwig, ainda que não muito otimista, é extremamente fiel a tudo o que o personagem representa. The Origin of Love, música inspirada no discurso de Aristófanes em O Banquete (ou Simpósio), de Platão, diz que os seres humanos estão incompletos e condenados a buscarem por suas outras metades. Após deixar de ser Hansel e encontrar sua metade perdida em Tommy, Hedwig é traída e passa a perseguir o cantor, que roubou suas composições. O encontro final entre os dois reserva a descoberta de que Hedwig, na realidade, é em si só um ser completo, parte homem e parte mulher. A beleza da sequência, enaltecida ao som de Midnight Radio, marca um encerramento emocionante que justifica o culto ao redor de Hedwig: Rock Amor e Traição, uma obra singular e incomparável. Lift up your hands!
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