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Sinopse

As irmãs Hannah, Lee, Holly e os homens de suas vidas se encontram em três jantares de Ação de Graças. Amigos, casos extraconjugais, um amante manipulador e uma mulher frustrada profissionalmente são alguns dos convivas.

Crítica

“Deus, ela é linda. Tem os olhos mais bonitos. E fica tão sexy naquele suéter. Eu gostaria de ficar sozinho com ela e abraçá-la e beijá-la e dizer-lhe o quanto a amo e que quero cuidar dela. Pare, seu idiota, ela é a irmã de sua esposa. Mas não consigo evitar. Estou consumido por ela. Por meses. Eu sonho com ela, penso nela no escritório. Oh Lee, o que farei?” O drama de Elliott, personagem de Michael Caine em Hannah e Suas Irmãs, é colocado logo de início para o espectador que então acompanha o relato desesperado desse homem consumido por uma paixão proibida. O texto de Woody Allen é hábil em dar diversas informações necessárias para entendermos o problema do sujeito em pouquíssimos minutos. E, claro, a performance do ator nos faz ora cúmplices, ora apenas testemunhas de seu desejo e posterior escapada do casamento. Um trabalho ímpar tanto de Woody Allen, que recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Original, como de Michael Caine, que também foi agraciado pela Academia, como ator coadjuvante. Um dos trabalhos mais premiados e queridos da carreira do cineasta novaiorquino e um dos papéis mais interessantes da carreira do sempre competente Michael Caine. Mas não é apenas ele quem brilha neste filme.

Woody Allen faz de Hannah e Suas Irmãs um filme de pluralidade ímpar. O longa-metragem tem drama, tem romance, tem comédia. Tem discussões sérias a respeito do envelhecimento, dos ciúmes, do adultério, da eterna busca de cada um por seu lugar no mundo e da nossa inevitável mortalidade. Tudo isso embalado em um pacote delicioso, com atores do calibre de Dianne Wiest, Max Von Sydow, Maureen O’Sullivan, Barbara Hershey, Carrie Fisher e, claro, Mia Farrow. À época, namorada do cineasta, a atriz era a escolha óbvia no elenco de cada novo filme. Neste caso, Farrow interpreta a personagem-título, que orbita o universo de suas irmãs.

Hannah é a bem sucedida da família. Atriz talentosa, mãe de belos filhos, casada com o intelectual Elliott, está sempre pronta para ajudar o próximo. Mal ela sabe que passa por maus bocados no casamento. Como citado logo acima, Elliott está de olho na sua irmã, Lee (Hershey), e mal consegue segurar esse desejo. Lee, por sua vez, tem certa atração pelo cunhado, mesmo morando com Frederick (Von Sydow), um homem mais velho, inteligentíssimo, mas turrão. Diferente de Hannah, Lee é calorosa, impulsiva – um vulcão, como Elliott vem a saber depois de consumar seu caso com ela. A culpa logo o assombra, mas o caso com Lee é bom demais para ser deixado de lado. A terceira irmã da família, Holly (Wiest), é outro caso. Sem rumo na vida, pula de emprego em emprego tentando se encontrar. Pede dinheiro emprestado, teve problemas com drogas e sofre de uma terrível baixa autoestima. O possível namoro com um arquiteto bem sucedido parece ser a solução para seus problemas, mas a desilusão logo a visita. Neste contexto, ainda temos espaço para conhecer os pais das irmãs, velhos atores que vivem às brigas pelo ciúme; e o ex-marido de Hannah, Mickey (Allen), um roteirista de TV que se depara com a possibilidade de uma doença séria e começa a procurar o sentido da vida – nem que para isso tenha de recorrer a outras religiões.

A grande qualidade de Hannah e Suas Irmãs é reunir estas histórias, que parecem uma grande colcha de retalhos, em algo conciso e extremamente interessante. Woody Allen consegue, tanto no drama quanto na comédia, envolver o espectador com os infortúnios e as dúvidas daqueles personagens tão ricos que acompanhamos durante pouco mais de 100 minutos. Nos importamos com seus destinos, nos identificamos com suas inquietações, torcemos pelo melhor. Este trunfo se deve, claro, ao texto inspirado de Allen e aos atores excepcionais escolhidos para defender os personagens. Dianne Wiest, em atuação vencedora do Oscar, é a irmã mais interessante do longa, exatamente por estar completamente perdida no mundo. Ela não é corretíssima como Hannah, não é fogosa como Lee. Ela é mais humana, mais frágil. E isso nos conquista.

E se Caine é o destaque masculino, ainda deixa espaço para Woody Allen brilhar em um de seus papéis mais sérios – um homem que busca na fé uma maneira de entender a fragilidade da vida. Max Von Sydow – ator-fetiche de Ingmar Bergman, ídolo de Allen – aparece em pequeno, mas pungente papel como um homem professoral, mas que não deixa de sentir dor ao ser trocado pela mulher por um namorado mais jovem. A paleta de personagens é de uma riqueza sem tamanho. Talvez seja o filme mais redondo de Woody Allen, quando paramos para pensar nos assuntos que consegue abranger e como seu resultado é recompensador.

Outro ponto engajador em Hannah e Suas Irmãs é o fato de estarmos dentro da cabeça dos personagens. Temos contato com os pensamentos deles, como é o caso do devaneio que inicia este texto, em que Elliott se despe de qualquer subterfúgio para revelar seu desejo enlouquecedor pela cunhada. Por termos contato com a mente daquelas pessoas, fica ainda mais fácil entendê-las, compreender anseios e nos tornarmos seus cúmplices. Uma jogada de mestre de Woody Allen que, além de ter recebido o Oscar pelo roteiro, foi indicado como Diretor e teve seu filme também lembrado na principal categoria do prêmio da Academia. Aquele filme ótimo para ver e rever, principalmente nesta época de festas do fim de ano, afinal o longa começa e termina em um jantar de Ação de Graças.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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