Crítica


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Sinopse

Daniel chega de surpresa em casa após cumprir pena na cadeia. Sua esposa, Leanne, a recebe com uma evidente vontade de recuperar o tempo perdido. Mas, será possível fazer as coisas serem exatamente como eram antes?

Crítica

Após retornar da prisão, Daniel P. Jones (que interpreta ele mesmo) chega de surpresa em casa, para espanto da mulher, Leanne (ela mesma). O casal logo coloca as paixões em dia, tenta reorganizar a vida a dois, da maneira como, ao que parece, sempre fizeram antes dele ir passar um tempo recluso. Entre um furto e outro, uma briga aqui e outra ali, uma tarde de sexo sob a luz fraca do sol, Daniel e Leanne “ressintonizam” seus sinais vitais. Para captar essa pulsão, o filme dirigido por Amiel Courtin-Wilson (seu primeiro longa “de ficção”, após curtas e documentários) investe numa atmosfera de sufoco: a câmera não se afasta daquilo que filma, os personagens nunca são vistos de longe, a cada batimento cardíaco, deles e do filme, aumenta a tensão que logo vai moldando o drama. Assim como O Céu Sobre os Ombros (2011) e Morro do Céu (2009), para ficar nos nacionais, Hail, como qualquer cinema contemporâneo maduro (estética e eticamente), não está muito preocupado em colocar falsas questões em disputa (se o filme é documentário ou “ficção”): as imagens estão aí para vistas e pensadas independentemente de qualquer questão prévia.

E é com certa elegância que Hail se constrói em cima dessa impossibilidade de fugir dos problemas que vão surgindo. É por aí também que, paradoxalmente, ele começa a engasgar. Se por um lado existe essa força de afirmar um suspense e um drama legitimado pela mobilidade das imagens e pela combinação de vários elementos estéticos que agilizam a sensibilidade do drama, por outro a concepção dessas imagens não permite nenhuma relação mais analítica com os personagens. Eles flutuam como corpos sem alma. A influência do cinema underground americano (Jonas Mekas, Stan Brakhage) não resolve a equação.

Courtin-Wilson parece querer filmar as abstrações dos relacionamentos, o clima obscuro sob o qual Daniel ainda se mantém relutante e bastante perdido nesse contato com o “novo mundo”. Nessa fixação, acaba perdendo o personagem; ao se aproximar demais, perde sua substância. Não podemos chegar nele de fato, só temos seus rastros, ainda trôpegos e mal caminhados. A luz é pouca, a câmera jamais desloca o olhar, fica submissa a “urgência” do registro (na mão e tremendo), precisa colocar tudo em crise, mas não investiga realmente de onde ela vem - a desorientação que se cria através das imagens é a analogia com a condição do protagonista. Mas Hail entrega uma dor para que o público resolva por amenizá-la ou não, resolva por acolher aquele personagem ou não e que, no fim, acaba sendo parte de uma troca injusta: nós emprestamos o olhar e o filme nos devolve um desejo de experimento puro e limpo, redondo e todo jogado previamente (da morte de Leanne à história de vingança que faz do filme outra coisa) o que, a bem dizer, esquece que todo experimento é impuro.

Amiel tem notadamente uma pretensão (o que é bom) e uma ideia de cinema não menos interessante. Ele vai levar à tela a história que não é assim tão comum de ser vista: a do homem que vive aquém de si mesmo, marginalizado e incompleto enquanto sujeito social e humano. Mas a brutalidade e a singeleza são justamente suas armas para continuar vivendo, porque um acontecimento trágico e inesperado lhe destrói a possibilidade de renovação social e, ai de mim, espiritual. Leanne morre em consequência de uma overdose. Daniel sabe quem foi o culpado – ou pelo menos quer arranjar um para amenizar sua própria consciência. Mas logo qualquer transpiração de um cinema menos efeitista (e quando ele é assim, é lindo, como na cena em que Danieltenta conseguir, e consegue, um emprego; ou mesmo nas brigas do casal) se esvai diante da “trama de vingança” que o diretor engendra - claro que a vingança é, sobretudo, uma revanche consigo mesmo. Mesmo não perdendo o vigor do drama psicológico de Daniel, Hail atropela um pouco a aventura, pensa as emoções antes de pensar os sentimentos em um filme que é precisamente em torno dos sentidos. Ao fim e ao cabo, ele tem uma força que se esconde.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do RS. Edita o blog Tudo é Crítica (www.tudoecritica.com.br) e a Revista Aurora (www.grupodecinema.com).
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