Crítica

Gretchen não é apenas uma cantora, Gretchen é um evento. Conhecida em todo o Brasil, a também dançarina, já performou em postos de gasolina, bailes funk, no interior, na capital e em festas de ricos, pobres, negros, brancos, héteros e gays. Passou por oito copas do mundo e até mesmo quatro papados. Nascida Maria Odete Brito de Miranda e autobatizada, após ver um cartaz do filme Aleluia, Gretchen (1976) em um cinema, a personagem criada pela cantora, que resultaria em uma carreira que já ultrapassa 30 anos, levou-a em 2007 a algo um tanto inesperado. Mas, como falamos de Gretchen, nada poderia ser assim tão inesperado ou fora do usual. Decidida a se estabelecer na ilha de Itamaracá, no interior de Pernambuco, ela se lançou à prefeitura da cidadezinha e anunciou que estava largando sua carreira de rebolado. E é esse baque que nos leva ao documentário Gretchen Filme Estrada (2010), dirigido pela dupla Eliane Brum e Paschoal Samora.

Selecionado em 2010 para o Festival do Rio, é um tanto surpreendente notar que a produção não conseguiu um lançamento digno em salas de cinema comerciais (sendo exibido diretamente pelo Canal Brasil), afinal lá se vão quase três anos desde sua primeira exibição. Digo isso, pois o material apresentado por Brum e Samora é em alguns momentos relevante e reflete muito da população e modelo político brasileiro, além do processo eleitoral. Gretchen é o cerne que expande em diversas camadas, e sua construção como uma figura multifacetada e carismática que tanto já conhecemos está lá, repleta de acertos e falhas. Talvez seja doloroso para alguns notarem que na concorrência para a prefeitura, a cantora parece a mais bem preparada e otimista quando a pequena ilha que governaria do que seus adversários, os quais não sabem se portar ou apenas diminuem o local. E é em meio a esse positivismo em levar em frente sua campanha e Itamaracá, que Gretchen se divide nos finais de semana realizando shows em circos do interior da região para manter o seu sustento e de sua família.

O documentário é um tanto repetitivo ao intercalar em demasia os momentos de Gretchen rebolando no picadeiro e o corre–corre da campanha, sem falar na constante citação deslumbrada, ao chegar em alguns locais, feita pela própria: “Estão filmando um documentário sobre mim, pro cinema.”. Mas não há como negar a contribuição para a sua construção de uma mulher que se esforça ao máximo em meio a muitas dificuldades e preconceitos, além dos modos de articulação que acaba sendo posta a enfrentar, que vão desde desentendimentos com sua vice a até mesmo ao apelo à religião. Gretchen Filme Estrada vai bem além de tentar ser uma reportagem sobre o comportamento de um famoso em meio ao poder, como faria alguma matéria de programa televisivo sensacionalista, é também sobre todo o processo eleitoral banalizado que o país passa atualmente, associado à desilusão de uma população e políticos conservadores. Haja circo (e rebolado) pra tão pouco pão.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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