Crítica

Reconhecido como o maior estádio de futebol do mundo quando inaugurado, em 1950, o Maracanã, no Rio de Janeiro, chegou a receber quase 200 mil pagantes em ocasiões recordes. Isso se devia, em grande parte, às múltiplas opções de ingressos que eram vendidos, desde posições privilegiadas até outras mais simples. E a área mais barata e popular – curiosamente, também a mais próxima do campo, porém em linha reta, ou seja, com visão prejudicada – recebia, justamente, o nome de Geral. Um olhar sobre o público que frequentava esse espaço é o que se propõe o documentário Geraldinos, de Pedro Asbeg e Renato Martins.

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O geraldino – termo cunhado pelo radialista Washington Rodrigues – era o torcedor mais humilde, de condições financeiras mais escassa, porém nunca com menor amor e empenho pelo clube. Como o Maracanã é um estádio público, por ali passam times como Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo, entre outros. As torcidas, dessa mesma forma, eram as mais variadas possíveis. Em igual, no entanto, estes mantinham a paixão por suas equipes e, acima de tudo, a vontade de estar perto dos jogadores, tanto nos momentos de alegria como de tristeza. Atuavam como técnicos, conselheiros, animadores. O que importava era a torcida, o grito de gol ou a lágrima da derrota, sempre compartilhada e fervilhando de emoção.

Asbeg, diretor também de Democracia em Preto e Branco (2014) – sobre o Corinthians – e o diretor e montador Renato Martins se uniram para fazer esse desenho sobre o perfil do torcedor geraldino. Eles começaram suas gravações em 2005, porém um fato se manifestou nessa história, mudando o rumo dos acontecimentos e fornecendo ao projeto uma nova dimensão. Acontece que naquele ano reformas começaram a se intensificar no estádio (entre 1999 e 2013 foram três grandes modificações estruturais) e, entre outras tantas mudanças, uma teve significado maior: o fim da Geral. Figuras folclóricas como Charuteiro, Zica, Chapolin, Vovó Tricolor, Índio e Mister M não teriam mais onde se posicionar, ao menos não mais com a mesma facilidade de antes. Elitizou-se o público, aumentaram-se os preços dos ingressos e diminui-se a quantidade de pessoas presentes (hoje a capacidade total é inferior aos 80 mil espectadores). Ganhou-se em uma visão burguesa e conceitual, porém perdeu-se, e muito, em popularidade e acesso.

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Construído de forma muito bem definida – explica-se o conceito do título, apresenta-se uma situação específica e problemática e retoma-se, quase uma década depois (em 2014), para verificar como a questão foi (ou não) resolvida e qual é o atual cenário. Com depoimentos pontuais de alguns dos protagonistas do campo, como Romário ou Zico, que servem para legitimar o discurso, Geraldinos, no entanto, investe mais nos tipos que lhe servem de batismo, revelando sua diversidade, origens e motivações. Ainda que não deixe de ser um pouco tendencioso – há uma agenda clara a ser defendida pelos realizadores – o filme oferece alguns momentos de contraponto, indicando o quão multifacetada pode ser essa realidade. O fato, no entanto, é que os geraldinos não mais existem. Mas ganham, aqui, um registro à altura de tudo que representaram em mais de cinco décadas de história.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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