Crítica


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Sinopse

Em meio a uma crise de criatividade relativa ao reviver de velhos fantasmas do passado, uma jovem editora que mora em Nova Iorque, nos Estados Unidos, reencontra um antigo autor que pode ser a chave para a mudança.

Crítica

Escrito e dirigido por Marya Cohn, A Garota do Livro é um filme mais interessante do que aparenta, porém menos profundo do que poderia ser. A história é sobre uma jovem que lida como agente literária, buscando a revelação que representaria o futuro do seu trabalho, ao mesmo tempo em que tenta encontrar sua própria voz para investir numa carreira como autora. Para isso, precisa superar alguns fantasmas do passado, como a pressão paterna – ele próprio um descobridor de talentos de sucesso – e a influência que recebeu desde a adolescência de um autor consagrado. É por causa dele, aliás, que tais traumas são desenterrados. As ligações entre estes personagens, como se pode imaginar, sugere um enredo com fortes leituras subliminares e desenlaces calcados no psicológico dos envolvidos. É de se lamentar, no entanto, a ausência de intérpretes à altura desse desafio.

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Alice Harvey tinha tudo para ser, ela mesma, uma escritora de prestígio. Nascida e criada na nata literária de Nova Iorque, frequentou as melhores escolas e foi desde pequena muito exigida. Neste mesmo ambiente conheceu Milan Daneker, um escritor que, de promessa, alcançou a fama já no seu livro de estreia. Quando, muitos anos depois, sua editora decide relançar essa mesma obra, Alice é que fica encarregada do trabalho. E retomar contato com estes escritos não será para ela nada fácil. Afinal, a protagonista de Olhos Despertos – comparada por muitos como a versão feminina de Holden Caufield, personagem-símbolo de O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger – é uma daquelas criaturas representantes de uma geração, que serviram de inspiração para milhares e que seguem sendo estudadas nas salas de aula. E que, não por acaso, foi inspirada na própria Alice. Um segredo que ela não parece disposta a revelar a ninguém.

A narrativa criada pela estreante Marya Cohn é dividida em dois momentos que transcorrem de forma paralela. Primeiro, acompanhamos a jovem já adulta, uma mulher problemática, cuja voz é difícil de ser ouvida – seja com o chefe, ou ao lado dos pais – e que não consegue se valorizar, nem com a melhor amiga, muito menos com o novo namorado. Para entender como se formou essa personalidade tão frágil, vamos conhecendo ao mesmo tempo sua versão adolescente, quando, em uma reunião familiar, é apresentada a Daneker, que por ela começa a se interessar, desenvolvendo uma lenta aproximação. É alguém, enfim, interessado nela – que parecia tão invisível! A garota baixa a guarda, deixa que o homem mais velho chegue perto, num misto de curiosidade e estímulo pelo desafio. Ela poderia imaginar ali um afeto, uma atenção, um olhar que tanto lhe faz falta. Só que, como dita o velho clichê, todo mundo sabe o que acontece em casos assim. E aqui não foi diferente.

As marcas desse envolvimento Alice irá carregar pelo resto da vida. Ser confrontada com Daneker, tanto tempo depois, não é um processo fácil. É por isso que, mais do que qualquer outro, a presença da bela, porém inexpressiva, Emily VanCamp acaba sendo o maior dos equívocos da produção. Para a atriz falta força no olhar e dramaticidade em suas ações que colaborem no entendimento da audiência a respeito do drama por ela vivido. É preciso que tudo venha à tona em diálogos expositivos ou em situações explanatórias, pois lhe falta competência para expor tais sentimentos de modo menos óbvio. O sueco Michael Nyqvist, protagonista da trilogia original Os Homens que não Amavam as Mulheres (2009) e que aos poucos vai investindo em uma filmografia em Hollywood, também sente dificuldade em encontrar o ponto exato de seu personagem, fazendo de Daneker uma figura mais paterna e menos predatória do que o enredo leva a supor. Por fim, quem acaba se destacando é o belo David Call, uma figura constante em seriados televisivos, aqui em um dos seus primeiros papéis de destaque na tela grande. Como o interesse amoroso da protagonista, ele parece ser o único em cena com a algo real a dizer e força suficiente para tanto. É por isso que acabamos torcendo mais para o desenlace romântico dos dois do que pelas consequências da violência física e psicológica sofrida por Alice.

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A Garota do Livro poderia ser apenas uma novelinha adolescente, como tantos outros romances adaptados recentemente para o cinema – como os sucessos A Culpa é das Estrelas (2014) ou Se Eu Ficar (2014) não nos deixam mentir. Porém os caminhos aqui trilhados são mais corajosos, passando por temas polêmicos e incômodos. Portanto, essa mesma determinação também viria bem se estivesse presente no desempenho destes que deveriam defender tais argumentos e em uma narrativa que se preocupasse menos com o poético, oferecendo sinais fáceis de recuperação – sim, agora ela já é capaz de pedir o próprio almoço sem a interferência paterna – e com um final apressado, que apenas atropela elementos que ganhariam se tivessem sido melhor desenvolvidos. Uma oportunidade desperdiçada pelos realizadores, mas que por outro lado pode encontrar redenção naquele espectador que fizer desse conto o início de um despertar para uma triste realidade, cada dia mais próxima do que gostaríamos de admitir – e basta ler os jornais diários para tal comprovação.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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