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Sinopse

Professor de música, o alemão Marten herda uma partitura valiosa, que ele deve buscar pessoalmente no Brasil. Porém, circunstâncias o levam a se tornar mestre de uma turma de jovens num centro de detenção.

Crítica

O protagonista desta coprodução Brasil/Alemanha é um músico do Velho Mundo, alguém que desfrutou de muita fama no passado, mas que sofre no presente para conseguir espaço. Logo depois do significativo fracasso numa audição, cena em que já fica evidente a mão pesada do diretor Ansgar Ahlers, Marten (Edgar Selge) recebe a notícia da morte de seu parceiro de outrora, com quem viajou por toda a Europa em turnê. A dor pelo passamento do amigo que vivia no Brasil é aliviada pela significativa herança deixada a ele, nada menos que uma partitura original do grande Johann Sebastian Bach. Quando o “gringo” desembarca no nosso país, temos uma coleção de clichês mal enjambrados que dão conta do estranhamento natural, partindo da dificuldade de comunicação com o taxista. Filhos de Bach não demora a apresentar suas cartas marcadas, já que a fragilidade está exposta desde o começo, seja a da encenação ou mesmo a da opção por veredas simplificadoras e expedientes inocentes.

A maneira como o jovem Fernando (Pablo Vinícius), menino de rua que subsiste de pequenos trambiques com o irmão, fecha os olhos repentinamente enquanto o estrangeiro toca seu chamativo bombardino – instrumento de sopro também conhecido como eufônio – no cenário bucólico de Ouro Preto, é outro indício de uma debilidade constante. Marten chega ao Brasil, enfrenta toda sorte de infortúnios, inclusive sendo roubado e perdendo seu meio de expressão artística, além da partitura valiosa que motivou o deslocamento. Já nesse instante, e a julgar também pela necessidade inicial de reforçar o insucesso do protagonista na sua terra natal, notamos que a intenção prioritária de Ansgar Ahlers é consolidar as transformações, edificar um caminho rumo à redenção, não importando se para isso for necessário penhorar a qualidade das relações, a organicidade das atitudes, a verossimilhança do impacto de cada episódio na vida dos envolvidos. Em resumo, o percurso é sacrificado em prol do destino.

Candido (Aldri Anunciação), morador local que se torna a ponte, inclusive idiomática, entre Marten e o Brasil, tinha todo potencial para ser um daqueles escudeiros marcantes, em virtude de seu carisma praticamente instantâneo. Todavia, a repetição incessante do bordão “Candido encontra tudo”, ou algo que o valha, é apenas um motivos pelos quais ele sofre esvaziamento, até virar mero adereço. O itinerário do protagonista é tão escancarado quanto ordinário. Não é difícil perceber o movimento narrativo do país tropical “abraçando-o”, quebrando um pouco a rigidez típica dos alemães. E dá-lhe camisetas de cores vivas para contrastar o figurino antes sóbrio. Filhos de Bach é refém dessas convenções, do encurtamento a fórceps do espaço entre os reveses e as soluções. Há um ensaio de relevância no apego de Fernando à figura paterna que vem de longe, com felicidades e tristezas se alternando, mas nem essa possibilidade se desenvolve para além da frouxidão predominante.

O que mais povoa Filhos de Bach são as famigeradas mensagens. Personagens inicialmente antipáticos tornam-se benfeitores incondicionais de uma hora para outra, problemas sérios, das mais diversas naturezas, encontram desenlaces como num passe de mágica, entre outros atalhos tomados, não sem prejuízo considerável. Aqui e ali surgem situações marcadas por uma pureza menos desengonçada, das quais se consegue extrair singeleza. É bonito ver a ligação entre o professor e os alunos ganhando corpo e afeto. Tudo converge ao segmento derradeiro, cuja responsabilidade é desatar os nós integralmente e deixar um sorriso no rosto da plateia. Ter a noção de que o longa-metragem é baseado em fatos não atenua as incongruências do roteiro, pelo contrário, pois deixa à mostra, ainda mais, as dificuldades da produção. Calcando tortuosamente boa parte de suas intenções nos frequentes choques culturais, para depois tentar delinear a arte como argamassa universal, ao filme resta cumprir suas promessas fáceis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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