Crítica

A filmografia de Jim Jarmusch é permeada por losers ao som de jazz. Eles encontram vários outros personagens pelo caminho, provocando mudanças quase imperceptíveis em sua realidade. Neste primeiro longa-metragem do cineasta, tais características já estão totalmente explícitas. A falta de dramaticidade não é um defeito, mas uma escolha plenamente consciente para sair da curva e mostrar que o cinema tem outras possibilidades fora das normas impostas. Férias Permanentes pode até ser cru em demasia, ainda mais se considerarmos que é um curta-metragem “esticado”, assim digamos, mas demonstra totalmente o pensamento do artista, ainda jovem, que permaneceria fiel às suas raízes e ideias desde esta concepção fílmica inaugural.

Como a maioria dos filmes do diretor, especialmente os lançados nas décadas de 80 e 90, este opta pela falta de conflitos na narrativa para compor seu direcionamento. O protagonista, jovem fã de Charles Parker, com a mãe internada no hospital, vaga pelo submundo de Nova York, encontrando diversas pessoas que compõem a marginalização da sociedade e, especialmente, dessa que é uma das metrópoles mais abrangentes, em tipos, do mundo. É um retrato da melancolia pós-guerra, do desaparecimento da identidade punk, com indivíduos tão perdidos na vida quanto nas intenções diárias. Algo que faz totalmente jus ao título.

Porém, ao pintar este afresco da cidade e de seus habitantes menos festejados, Jarmusch direciona um olhar afetuoso aos mesmos, ainda que a desilusão e a morosidade predominem. Não espere grandes reviravoltas, pois isso não ocorre no cinema do cineasta. É como se ele deixasse a câmera correr por aqueles infinitos cigarros acesos, como numa filmagem semidocumental, em que a odisseia do protagonista é, literalmente, ir do nada para o lugar nenhum. Aqui, a jornada do herói, tão intrínseca ao cinema norte-americano, dá lugar a uma antítese, a um projeto muito mais estético e experimental que uma grande ficção sobre os dissabores da vida.

É um estado permanente de vazio que circula o protagonista e todos que o cercam. Isso deixa os personagens sem vida? Pelo contrário. Jarmusch faz questão de realçar que é neste vai e vem pelas ruas e suas diversas opções que deixam o ser humano mais confuso sobre qual caminho seguir. Passear pelas vielas mais obscuras de Nova York traz uma sensação de liberdade ao protagonista, ainda que ele esteja preso à própria rotina, ao cotidiano. É a quebra de barreiras, mesmo que não se saiba para que elas sirvam. Uma intimidade velada, mas não por isso menos profunda, ainda que os tons pareçam opacos. É cinema cult de verdade. E talvez seja preciso mais de Jarmusch para se entender o significado dessa expressão, tão mal utilizada hoje em dia.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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