Crítica

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O suspense, para o mestre Alfred Hitchcock, seria estabelecido a partir de um pacto com o espectador, pelo qual este pudesse saber de informações dramáticas desconhecidas aos personagens da trama. Assim, o ritual de se assistir a um filme criaria um elaborado jogo entre o diretor e seu público, intensificado pelo gênero que manipula sentimentos tão primitivos quanto o medo. É justamente essa a proposta do documentário britânico Fear Itself. A partir de pequenos segmentos de outros 81 filmes, de clássicos do horror a obras menos conhecidas, é construída uma narrativa que busca induzir as mesmas sensações que a produção procura desconstruir e analisar.

Aficionados pelo cinema de horror geralmente têm histórias sobre seus maiores sustos no cinema, motivos que os fazem continuar a procurar por exemplares de um gênero tão controverso e geralmente mal representado. Em contrapartida, explorações acadêmicas pelo universo do cinema de terror demonstram uma infinidade de razões psicológicas que atestam o apelo desses filmes para suas audiências. Com Fear Itself, o jovem cineasta Charlie Lyne (de apenas 25 anos!) apresenta um ensaio cinematográfico sobre a conexão dos espectadores com essas histórias, numa abordagem que se divide entre a investigação empírica e suposições ora assertivas, ora banais.

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A voz de uma mulher sussurra enquanto segue na tela uma infinidade de trechos de filmes de horror, datados a partir de 1922. As produções são originárias de uma série de países, realizadores e épocas que vão do obscurantismo ao mainstream, do supracitado Hitchcock e David Lynch a nomes cultuados como os de Teruo Ishii e Jorge Grau. A narradora relata incidentes sobre mortes, doenças e outros traumas enquanto as imagens complementam suas histórias ou se desconectam por completo do que ela fala; suas contemplações avaliam a relação dos fãs com esse cinema e o papel que o horror preenche em suas vidas.

Além dos pequenos planos inicial e final e da voz que narra o documentário, Fear Itself é um filme de montagem, apoiado quase que exclusivamente no talento de Lyne para contar uma história com imagens que não são suas, mas que foram apreendidas pelo seu imaginário e por tantos outros. O realizador já fizera o mesmo em seu filme precedente, Beyond Clueless (2014), que, com o formato e proposta similar, explorava a essência dos filmes protagonizados por e sobre adolescentes. O resultado é um exercício interessante, repleto de questões, justificativas e teorias acerca de um tema nem sempre analisado, mas tão comumente sentido. Ainda assim, o que salta aos olhos são as obras dentro da obra, que copiosamente parecem muito mais interessantes do que o filme que estamos vendo.

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Quando a imagem não se relaciona com a narração, a edição cria algumas conexões sutis entre imagens e palavras. É fácil ser absorvido por um ou outro recurso, perdendo assim a atenção do que é mostrado ou dito – geralmente o que “desaparece” é a segunda opção. Curiosamente, as sequências dos filmes apresentados não são as mais icônicas ou assustadoras, uma vez que Lyne escolhe oferecer o medo mais por meio de seu roteiro do que pelo que exibe na tela. Algo que nem sempre funciona, mas suas intenções são justificadas e felizes ao oferecerem uma compilação de filmes obrigatórios para qualquer apaixonado pelo gênero. O jogo aqui proposto não é novo, mas nem por isso menos divertido.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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