Crítica

Um tanto desconcertante a versão de Fausto levada às telas por Aleksandr Sokurov. Sobre a história, não é preciso da base literária para sabê-la, em linhas gerais, é claro: um homem vende sua alma a Mefistófoles em busca de poder e respostas existenciais sobre corpo e alma. Este Fausto adapta a famosa obra aos tempos da Idade Média, utilizando o entorno para, quem sabe, amplificar o périplo do doutor e de seu companheiro, um ser deformado, acometido de dores intestinais, sôfrego, porém dotado da astúcia conveniente aos preceptores.

Sokurov reza pela cartilha de Andrei Tarkovsky, mas, a bem da verdade, eventuais comparações ao grande cineasta tendem a lhe desfavorecer. Enquanto o compatriota “esculpia o tempo” autoral e sensivelmente, Sokurov, em Fausto, fica num meio termo incômodo, entre sua necessidade estética/pictórica e alguns momentos de rara inspiração, como a sequência da autópsia. Fausto possui ritmo estranho, deliberadamente truncado, não é um filme fácil. Mesmo chancelado pela conquista do Leão de Ouro no prestigiado Festival de Veneza de 2011, polariza opiniões.

Como genuíno artista, Sokurov arrisca-se, e preconiza isso a seus colaboradores, vide a bela fotografia do francês Bruno Delbonnel (de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, 2001), vertiginosa e de morfologia incomum. Ousa em apostar nas percepções de um público que, supostamente, precisa atirar-se para fruir. O risco merece recompensa, e dar outra chance a Fausto pode bem sê-la, pois, de cara, a exuberância visual e o fluxo narrativo soam desencontrados. Arte ou engodo? Mesmo sem garantias, talvez apenas a repetição nos faça gozar essa viagem marítima, sem tonturas, ambientados às torrentes revoltosas pelas quais navega a nau de Sokurov.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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