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Sinopse

Quando um padre é sentenciado à prisão após a morte de uma freira em que praticou um exorcismo, uma jornalista investigativa se esforça para desvendar o fato. Ele assassinou uma pessoa mentalmente doente? Ou apenas perdeu a batalha contra uma presença demoníaca?

Crítica

O cineasta Xavier Gens consegue a "proeza" de realizar um filme de horror insosso, cuja mensagem estritamente cristã alimenta uma trama banal. Senão vejamos. A protagonista de Exorcismos e Demônios, Nicole (Sophie Cookson), é uma jornalista atraída pela controvérsia que envolve padres romenos, rituais de esconjuração e uma jovem freira morta (assassinada?). Após um diálogo sofrível com seu editor/tio, em que expõe ceticismo, ela parte à Romênia para escarafunchar os meandros de circunstâncias marcadas pela afirmação dos poderes demoníacos de uma entidade. Não há dúvidas com respeito à natureza da ameaça, portanto, numa realidade em que objetivamente o Diabo existe, Deus também se faz presente. E tal constatação não é arbitrária, embora óbvia, pois a narrativa constrói paulatina e erraticamente justo essa confirmação, recorrendo a toda sorte de convenções do gênero, se consolidando como ode a uma divindade onipresente e estritamente bondosa.

Sophie Cookson atua burocraticamente diante da câmera interessada por uma transformação que certamente ocorrerá, não sem doses cavalares de conveniência, formal, expressiva e ideologicamente falando. É com uma facilidade difícil de engolir que a periodista acessa lugares e questões vitais, como os porões do mosteiro e os registros de exorcismos, algo, como bem sabemos, que a própria Igreja guarda a sete chaves. De pronto, percebe-se que a premissa capenga de Exorcismos e Demônios não passa de um véu fino a mal encobrir o preceito religioso que gradativamente toma de assalto o todo. Dentro desse itinerário rasteiro, empobrecido visual e dramaturgicamente, sobra ainda espaço a uma construção canhestra e anacrônica do papel da mulher, já que o feminino é sempre encarado como propenso à vulnerabilidade. Em seus corpos se aloja a perversidade proveniente da transgressão. Nada surpreendente, levando em consideração o mito do pecado original que alimenta essa síndrome de Eva.

Xavier Gens se vale de uma estrutura tão simplista quanto incompetente para apresentar a resistência da irmã Adelina (Ada Lupu) à dominação do demônio que logo se apresenta. Com ocasionais variações, o passado é resgatado sempre da mesma maneira, partindo das conversas de Nicole com alguém que revela novos fatos. Juntos, cerzidos tropegamente, criam o contexto. Voltando à delineação das mulheres, a religiosa é possuída por sucumbir às tentações da carne, algo refletido de modo semelhante na moça intrépida que demonstra uma quedinha (eufemismos à parte, na verdade é um tropeção escancarado a cada cena) pelo padre com pinta de galã do pedaço, Anton (Corneliu Ulici). Em meio a erros crassos de continuidade – reparem na cena dela indo dormir de camiseta, gritante –, esse homem de fé inabalável é o guia da descrente pelos caminhos da luz, não sem alimentar a tensão erótica existente entre os dois. Mas, apenas ela se mostra “fraca”, com direito a sonhos lascivos e mais, enquanto o pároco permanece tenaz na luta contra o capiroto que gosta de meninas.

Exorcismos e Demônios é um equívoco quase completo, com suas tentativas constantemente fracassadas de instaurar uma atmosfera atemorizante, seus jump scares fajutos e previsíveis até dizer chega e uma incapacidade de criar empatia entre o espectador e os personagens, dada a superficialidade destes. Mesmo que façamos vista grossa à improvável disseminação da língua inglesa no interior rural da Romênia, é dose engolir outras facilidades das quais o realizador lança mão para tratar dos temas que acaba evocando. Ainda quando diante do fato que supostamente consolida a doutrina cristã, haja vista a certeza do sagrado como antídoto do profano, Xavier Gens atesta seu desajeito, com a vitória do bem ocorrendo apressadamente, contradizendo todo um percurso, inclusive dividido em etapas, que os crentes destrincham anteriormente. A fé pode mover montanhas, mas é preciso galões dela para remover a sensação de tédio e perda de tempo que sobrevém à sessão desse filme.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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