Crítica


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1 voto 8

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Sinopse

Morador do interior de São Paulo e apreciador de rock, Rogério ainda está embaixo da saia da mãe. Na verdade, ele ajuda ela a administrar o negócio que seu pai deixou quando morreu. Mas, Rogério precisa redefinir a sua vida.

Crítica

Eu Te Levo é dividido em dois temas centrais que não se comunicam organicamente. A transição entre um e outro, portanto, quase causa a sensação de acompanharmos filmes distintos. A primeira metade é focada nas dificuldades de Rogério (Anderson Di Rizzi) para lidar com as expectativas, sobretudo as da mãe, após o falecimento de seu pai. A loja de materiais hidráulicos da família precisa ser continuada, mas o protagonista não quer para si esse fardo, mentindo a respeito do curso de encanador na capital paulista que, na verdade, é um preparatório para tornar-se bombeiro. De maneira um tanto forçosa, narrativamente falando, surge Cris (Giovanni Gallo), irmão mais novo de um amigo, a quem Rogério promete dar carona, já que o garoto estaria estudando ferrenhamente para o vestibular. A descoberta do insuspeito trancamento e da necessidade de trapacear, algo que os aproxima, cria o vínculo, anda que o diretor Marcelo Müller parta de uma artificial animosidade inicial para valorizá-lo.

Acompanhamos a angústia de Rogério, em meio ao luto e à resistência em assumir responsabilidades às quais ele não se vê preparado, principalmente nas interações com a mãe interpretada por Rosi Campos. Na medida em que se integra ao mundo de Cris, à galera do coletivo de arte onde, inclusive, encontra um interesse amoroso, ele experimenta um mundo novo, que o faz repensar, não sem aflição, na validade dos esforços para sair do ninho a qualquer custo. Assim como o preto e branco da fotografia, em Eu Te Levo algumas opções do roteiro não se justificam no nível puramente dramático. Ainda que Marcelo Müller consiga criar personagens dignos de empatia, cujos dramas são tão universais quanto difíceis de transpor, a frouxidão da encenação enfraquece as violências simbólico-psicológicas que os acometem, evitando mergulhos mais profundos, reduzindo sensivelmente a densidade do longa-metragem. As emoções são expressas num nível que desfavorece a genuinidade.

Já a segunda metade de Eu Te Levo mostra Rogério em dúvida quanto à vocação de bombeiro. Marcelo Müller busca inserir nesse momento uma discussão acerca do papel da polícia na sociedade, já que seu protagonista precisa formar-se militar para ingressar na tão sonhada e, a seu ver, nobre carreira. É, porém, difícil aderir totalmente às suas inquietações e confusões, exatamente por conta do encaixe desajeitado delas na trama. Nem mesmo a fragilidade das convicções, característica que poderia explicar mudanças radicais de comportamento, é incorporada significativamente. O resultado é um percurso solavancado, em que nosso envolvimento é prejudicado pelas guinadas drásticas. Exemplo disso, numa cena o protagonista ensaia com afinco as respostas que deve dar numa entrevista com os instrutores da polícia militar; na subsequente há uma crise de consciência determinante ao seu futuro, propiciada por uma discussão banal e corriqueira, gatilho da então reação exagerada.

O passado também é uma instância acessada como subterfúgio para conferir alguma verossimilhança à conduta de Rogério. Ouvinte de heavy metal, ele reencontra nas letras o inconformismo contrastante com a carreira almejada, ainda que problemática eticamente seja, no fim das contas, a etapa intermediária. Em Eu Te Levo o trabalho diretivo de Marcelo Müller parece demasiadamente subordinado ao texto, com eventuais soluções visuais que dão conta de amenizar o caráter postiço desse itinerário repleto de possibilidades. Sem resolver aspectos familiares, sociais e particulares a contento, o filme acaba como um emaranhado de boas ideias, permeado por atuações irregulares – o destaque positivo fica por conta de Anderson Di Rizzi, que sobressai. Nada dos que os personagens vivem é irrelevante, pelo contrário. Talvez exatamente por abordar inabilmente questões tão pertinentes, o resultado decepcione.

Obs.: Este texto não é autorreferente. O diretor e o autor são realmente homônimos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Ailton Monteiro
6
MÉDIA
4.5

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