Crítica


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Sinopse

Clara está indecisa. Cursando medicina na faculdade por pressão familiar, ela vive vários dilemas ao mesmo tempo. Clara mata as aulas matutinas e vive pequenas aventuras diárias, em meio às quais encontra um rapaz.

Crítica

Em algum momento todo jovem percebe a dimensão da vida. Isto é, supera o nível infantil do exterior como extensão do “eu” e o realiza mais além, como algo externo e único – codificado. A beleza desse instante, derivada do sublime e não do belo, é o material com o qual trabalha Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida.

O segundo longa-metragem de Matheus Souza (Apenas o Fim, 2008) confirma a preferência do diretor em abordar temas que lhe são próximos. Tratar daquilo que se conhece ou se sente é o primeiro passo para comunicar com verdade. Para bem ou mal, Souza imprime no filme a sua marca de autor. Durante 90 minutos, acompanhamos as indecisões de Clara (Clarice Falcão). A estudante de medicina reflete uma geração desnorteada, perdida entre as respostas que gostaria de dar aos adultos e as possibilidades infinitas para as quais o mundo se abre. Clara não se encontra enquanto médica, tampouco enquanto arquiteta, advogada ou filósofa. O garoto que a ajudaria na decisão profissional (personagem de Rodrigo Pandolfo) torna-se outra indecisão, porque para uma cabeça confusa tudo é pólvora.

A autoria de Souza é o grande mérito do filme. Há coragem intrínseca à postura de apresentar o seu ponto de vista. Quanto a isso nem mesmo os demais problemas o diminuem. No entanto, a harmonia do diretor com o tema e com as atuações (os momentos de naturalidade de Clarice superam os de artificialismo e o equilíbrio dramático de Rodrigo merece elogios) se desgasta no decorrer da narrativa. Tal qual a protagonista, o roteiro sofre com problemas de identidade ao ansiar por vezes o drama existencial, e por outras o highbrow humour piorado, ou seja, a versão adolescente. O filme se perde ao se limitar a revelar a perda de Clara. Aquilo que foi curioso e interessante, especialmente no primeiro ato, torna-se desinteressante e cansativo. As motivações dos personagens passam a não funcionar e a consequência vem na forma da redução psicológica da protagonista, pois a completa confusão mental inibe a chance de qualquer surpresa. Sopros esporádicos de qualidade renovam a atenção e provam que o diretor tem potencial para sustentar um filme com a devida desenvoltura narrativa. Mas não aqui; não esse.

Chama atenção a cena de abertura de Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida. Um grupo de jovens sentados na areia, de frente para o mar. Um garoto aponta para o píer e lembra que o lugar foi ponto de encontro de pessoas importantes, de uma geração que lutou contra a ditadura e forjou a cultura do país. Com a ingenuidade somente permitida à idade, confessa nostalgia por aquela época. É equivocado pensar que todas as gerações são iguais. Nenhuma luta, porém, é mais justa que a outra, pois diante do inimigo, tudo é sombra e neblina. Na boa cena em que Clara enfrenta o pai, há um acerto de contas que eleva o filme, infelizmente de forma pontual e insuficiente. Diluído sob uma cobertura frágil, resiste uma densidade não eliminada, apenas amortecida.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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