Crítica

Adaptado a partir do show do ator Guillaume Gallienne, Eu, Mamãe e os Meninos retrata o período em que ele era tratado por sua família, em especial por sua mãe (aqui interpretada pelo próprio Gallienne), de um jeito diferente de seus irmãos. Quando chamava os filhos para comer, ela gritava “Meninos e Guillaume, para a mesa”, confundindo o caçula constantemente com uma menina, a filha que gostaria de ter tido. E se as pessoas o viam assim, porque não agir como tal, então? Dessa forma, se inicia a de busca do protagonista por sua identidade sexual.

Tendo escrito e dirigido o filme (aliás, esta é sua estreia como diretor), Guillaume Gallienne investe em uma estrutura curiosa para contar sua história. Iniciando a produção exatamente com o show de seu personagem, faz uso do monólogo teatral para dar origem às cenas do passado. Nisso, a montagem de Valérie Deseine merece crédito ao conseguir intercalar organicamente as cenas que em que o protagonista aparece no palco com as que mostram sua história na tela. Assim, é até perdoável o fato de algumas passagens do texto serem um tanto expositivas demais, já que ele está recitando tudo para uma plateia que está em cena

Pela história trazer uma situação um tanto inusitada, não é surpresa ver que Guillaume Gallienne tenta fazer graça a partir das experiências inusitadas que enfrentou. Nisso, as sequências em que ele imagina a mãe ao seu lado fazendo alguns comentários são particularmente divertidas, como quando ela surge em meio a um jogo de rugby. O modo delicado com o qual o cineasta interpreta o personagem (ou a si mesmo), somado ao seu carisma inabalável, também é responsável por algumas boas risadas, como quando faz um alarde por causa de um machucado na mão. Claro que nem sempre o diretor-roteirista-ator acerta nesse quesito, e a cena em que o protagonista gagueja durante uma conversa com um médico no exército é um bom exemplo disso. Esses momentos mais fracos, no entanto, são poucos e não chegam a quebrar o dinamismo presente ao longo da narrativa.

No entanto, o que faz mesmo com que Eu, Mamãe e os Meninos seja interessante é a sensibilidade de Gallienne na condução desta trama em busca de sua identidade sexual (e por ser um projeto tão pessoal, é difícil imaginar outra pessoa assumindo a cadeira de direção). Este detalhe ajuda a tornar envolvente e até mesmo simpática a jornada de seu personagem. Desde o início é possível ver que o modo dele agir ao longo do filme parece vir de uma necessidade de ser aceito dentro da própria família. Isso fica claro quando decide passar um tempo na Espanha e aprende a dançar flamenco, mas ao saber que seus passos que aprendeu são femininos, ao invés de dar espaço a uma frustração, fica feliz por acreditar que sua mãe gostará de saber disso. O curioso é que Guillaume realmente se vê em dúvida com relação a sua própria natureza, algo que lhe traz certa vulnerabilidade, e por isso acaba sendo bacana vê-lo agir de maneira tão segura a partir do momento em que finalmente se encontra.

Por fim, há um clímax tocante, que mostra que o que vimos na tela não deixa de ser uma homenagem de Gallienne a sua mãe. Eu, Mamãe e os Meninos pode não ser o melhor filme francês do ano passado (prêmio que levou no César, o Oscar francês, superando obras superiores como Azul É a Cor Mais Quente, 2013, por exemplo), mas certamente é um belo trabalho e uma estreia promissora de Guillaume Gallienne como realizador.

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é crítico de cinema, formado em Produção Audiovisual na ULBRA, membro da SBBC (Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos) e editor do blog Brazilian Movie Guy (www.brazilianmovieguy.blogspot.com.br). Cinema, livros, quadrinhos e séries tomam boa parte da sua rotina.
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