Estopô Balaio
Crítica
Leitores
Sinopse
Uma história de superação através dos moradores do bairro Jardim Romano, na Zona Leste de São Paulo. Há cerca de dez anos, eles sofrem com alagamentos decorrentes de enchentes.
Crítica
Para os moradores do Jardim Romano, extremo leste de São Paulo, lidar com enchentes já é parte da rotina. O bairro fica às margens do Rio Tietê, que transborda e invade as casas em alagamentos que já chegaram a durar meses. Uma situação como essa já ofereceria material suficiente para um documentário que pretendesse expor a negligência do Estado em relação à comunidade, mas o diretor Cristiano Burlan vai além: mais do que falar sobre as enchentes, Estopô Balaio quer contar as histórias de quem vive apesar delas.
Longe de ser simplesmente uma crônica sobre uma região carente, o documentário vai revelando aos poucos o Jardim Romano como uma comunidade extremamente rica culturalmente. Com o incentivo do coletivo que dá nome ao filme, os moradores usam todo tipo de arte como forma de expressão. A montagem entrecorta as mais variadas performances – música, dança, teatro, poesia – com imagens do bairro e depoimentos emocionados, o que coloca o espectador dentro do cotidiano daquela comunidade e dá uma sensação de familiaridade com os personagens.
A arte aqui é tratada como algo libertador, ao mesmo tempo um escape de uma vida difícil e uma maneira de expressar a própria realidade. Todo o bairro parece engajado nos projetos do coletivo: as apresentações são feitas nas ruas e nas varandas das casas, a plateia transita entre as performances e também participa delas. Há um forte senso de comunidade pairando sobre todo o filme, resumido pela canção do grupo Família Nada Consta, que se apresenta caminhando pelo bairro: “nunca se esqueça da sua raiz, quando te disseram 'não' foi a única que te quis [...] já na burguesia não tem coletividade, só se tiver dinheiro pra poder ter amizade”.
Empregando um tom leve, apesar de tratar de uma realidade difícil, o filme dá espaço também para as crianças, que parecem tão acostumadas ao cotidiano árduo que falam tranquilamente diante das câmeras sobre a devastação causada pelas chuvas. “Essa já é a minha terceira enchente”, uma menina comenta casualmente, enquanto sua mãe mostra a sala de estar alagada, a água já na altura das canelas. Esse bom humor também transparece nas entrevistas das senhoras Luzia e Francisca, que se divertem com a ironia de terem deixado o nordeste do país numa tentativa de fugir da escassez da água, só para sofrerem com o excesso dela em São Paulo.
Burlan encontra, entretanto, tempo para abordar as outras questões que permeiam as vidas de suas personagens. É dado grande destaque à dificuldade e a dor de abandonar a terra natal e a família por uma chance em São Paulo – a região tem enorme concentração de nordestinos – algo que é compartilhado também por membros do coletivo. De certa maneira, Estopô Balaio é mais um retrato da periferia de São Paulo como um todo do que de apenas um bairro. Há momentos em que o documentarista dá às pessoas a oportunidade de simplesmente desabafar e falar sobre questões que vão além das chuvas e das cheias do Tietê: são relatos dolorosos sobre perda, abusos sofridos e saudades.
Há, ainda, um questionamento ético levantado por um dos membros do coletivo Estopô Balaio que poderia se estender até o trabalho do documentarista. Ambos parecem conscientes do certo distanciamento que há entre as pessoas que vivem a realidade do Jardim Romano e as que fazem trabalhos sociais no lugar ou documentam seu cotidiano. "Hoje eu me vendo como pesquisa para os artistas", diz a letra de uma música sendo apresentada enquanto João Júnior, um dos organizadores do coletivo, pondera a respeito de seu próprio trabalho.
A solução encontrada por Burlan parece ter sido deixar os rumos de seu filme nas mãos de suas personagens. Muitas vezes são os moradores que filmam seus depoimentos e suas performances, e a impressão que Estopô Balaio deixa no público é a de que – finalmente – a periferia está ganhando voz. Qualquer falta de cuidado técnico é compensada pela sinceridade com a qual cada morador conta sua história e mostra a própria vizinhança, onde a arte é como uma linha que costura toda uma comunidade em meio à adversidade.
Últimos artigos deMarina Paulista (Ver Tudo)
- Olhando Para as Estrelas - 15 de outubro de 2017
- O Último Capítulo - 19 de julho de 2017
- Papo Delas :: Ida Lupino, mãe de todos nós - 11 de julho de 2017
Deixe um comentário