Crítica

Trabalho de estreia do diretor português José Barahona em ficção, o drama Estive em Lisboa e Lembrei de Você é um longa que guarda aspectos tanto da sua fonte de origem, o livro escrito por Luiz Ruffato, como do próprio histórico do realizador como documentarista. É notório durante o desenrolar da ação uma intenção de almejar uma verossimilhança conceitual, longe de artificialismos e artimanhas narrativas. Para isso, recorreu-se ao uso de atores não profissionais – e até mesmo não-atores – em um roteiro que na maior parte do tempo se desenvolve em primeira pessoa, quase como num relato, repetindo-se a estrutura literária. Como resultado, no entanto, tem-se um misto de ensaio com realidade – algumas passagens funcionam bem, certos personagens são convincentes, mas há um desequilíbrio no todo. E ainda que em muitos momentos tais decisões se revelem válidas, no conjunto percebe-se que a mensagem é superior à forma escolhida para sua transmissão.

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Afinal, quem esteve em Lisboa e, ainda mais importante, quem foi lembrado? Quem faz essa mudança é o protagonista, Sergio (Paulo Azevedo), um rapaz do interior de Minas Gerais que, após um casamento fracassado, decide abandonar a mãe, os amigos e o trabalho sem futuro para tentar a sorte na Europa. A promessa que ouve é que na capital portuguesa não enfrentaria problemas com o idioma, além de encontrar múltiplas oportunidades de emprego e ascensão profissional. O objetivo nunca foi ficar lá, e, sim, da mesma forma que tantos outros imigrantes, o que buscava era encher os bolsos e retornar o mais rápido possível, pronto para começar, mais uma vez, uma nova vida, porém em melhores condições. É de se imaginar, pelas histórias de tantos outros que tiveram a mesma ideia antes, que atingir tais objetivos não será tão fácil.

Mas de quem, portanto, Sergio se lembra uma vez em Lisboa? Poderia ser da mãe, que ficou morando sozinha em Cataguases? Ou da esposa (Amanda Fontoura), a garota com quem casou cheio de esperanças e que aos poucos foi se perdendo em si mesma, até precisar ser internada em uma instituição psiquiátrica, abandonando marido e filho? Um pouco delas, um pouco de cada um de nós, brasileiros, cansados de um país que lhes fecha as portas. Porém, ao chegar lá o que encontra pouco se assemelha com o que imaginava. Acaba indo morar em uma pensão e trabalhando como garçom. O dinheiro que ganha é pouco, e mal dá para viver o sonho dourado do exterior. Não viaja, não passeia, não conhece nada. Com um horizonte cada vez mais limitado, o que lhe resta são escapadas eventuais bebendo com amigos de ocasião e, quando tem tudo dá certo, mulheres. O problema é que o que mais lhe falta, de fato, é exatamente isso: sorte.

Nada acontece dentro do esperado na história de Sergio. Sua família original é humilde demais para lhe oferecer as condições esperadas para construir uma vida. O casamento que constitui termina por se revelar uma grande dor de cabeça. O emprego logo se torna insuportável. E a ida a Portugal acaba sendo um pesadelo. Principalmente após se envolver com uma garota de programa (Renata Ferraz, a melhor em cena), também brasileira. Ela está ali com o mesmo objetivo dele, juntar dinheiro e ir embora. Ele, no entanto, parece distraído, sem força. Qualquer coisa lhe desvia do interesse inicial. Se ela termina por se aproveitar dele, sentimos mais raiva do coitado que não antevê o que irá acontecer do que dela, que afinal é transparente em suas motivações. Aí talvez esteja um dos principais problemas do filme: Paulo Azevedo não é um ator de nuances, tudo nele é muito raso, à flor da pele, e sua leitura é imediata. A ingenuidade do personagem acaba sendo a sua própria, e isso não só carece de verossimilhança como incomoda pela obviedade.

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Barahona há muito saiu de Portugal para vir trabalhar no Brasil. Com Estive em Lisboa e Lembrei de Você ele não só consegue o feito de realizar uma coprodução entre os dois países – parceria rara e que deve ser incentivada – como também se debruça a investigar aqueles que fazem movimento contrário ao seu (daqui para lá, portanto). Em um momento histórico em que a Europa se torna cada vez mais destino de refugiados em busca de melhores condições de vida ao redor do mundo, um conto como esse se mostra particularmente pertinente. Mas nem só de boas intenções se faz um bom filme. Talvez com um ator mais experiente e soluções dramáticas que aprofundassem melhor o drama dos personagens a identificação com os espectadores fosse mais consistente. Do jeito que está, seu caráter curioso se destaca. Mas se percebe condições para ir além, elementos esses que, infelizmente, não são explorados a contento.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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